Caminhos para uma inclusão Humana
Marina S. Rodrigues Almeida*
Pais, educadores e demais profissionais estão se deparando, com um dilema: “Como educar nossos filhos para uma sociedade futura?”.
Nossa preocupação e angústia vêm da natureza de não conhecermos em detalhes os aspectos fundamentais desta futura sociedade!
Se concordarmos que a função da Educação é a preparação das pessoas para o seu futuro, neste momento ninguém pode saber com exatidão como será o futuro, nem o futuro mais próximo.
Não sabemos, por exemplo, as conseqüências, das possibilidades da clonagem humana ou dos resultados do Projeto Genoma. Essa incerteza pode nos deixar paralisados, insatisfeitos com a maneira de realizar “uma educação”, precisamos ter coragem para desafiar os erros para encontrarmos novas maneiras de “fazer” ou “refazer” a prática pedagógica.
Neste sentido, a Sociedade Contemporânea está passando por uma série de modificações estruturais que nos obrigam a reavaliar aquilo que estamos fazendo em Educação, e tentar alinhar este esforço à realidade que existe fora da instituição acadêmica. Por exemplo, muitas carreiras estão sumindo no cenário nacional e internacional, devido à informática e à globalização; por outro lado, carreiras novas estão surgindo.
Como deverá ser esta escola e este educador nessas condições? Como é preparar um educando num mundo de velocidade, de mudanças na sociedade, para um mundo de valores e de atividades profissionais diferentes das atuais?
Acredito que a meta principal, da Educação, da escola e do educador, tenha que ser investida no preparo do futuro adulto para pensar amorosamente, sistematicamente e ecologicamente. Exatamente o oposto da nossa Educação atual, que apesar de suas modificações através dos Parâmetros Curriculares, ainda está sendo aplicado na prática para formar (colocar na forma) os alunos baseando-se em fatos históricos e científicos potencialmente úteis no futuro, mas aplicáveis apenas no exame vestibular para entrada numa universidade.
A nova meta da Educação tem que ser como pensar e não o que se pensa. Os principais problemas de nosso tempo não podem ser compreendidos isoladamente, mas vistos de forma interconectada e interdependente. A maneira de pensar deverá ser “holística” (vendo o mundo amorosamente como um todo integrado) e “ecológica” (reconhecendo a fundamental interdependência de todos os fenômenos naturais), tanto como indivíduos como sociedade, todos nós estamos inseridos dentro de processo cíclico da natureza.
O holístico também é parcial, pois depende de quem está vendo, em que momento, lugar, situação, de quem se trata, para que… Portanto nunca teremos um controle do todo, mas podemos ter maior chance se nos propusermos a considerar vértices e opiniões diferentes da nossa.
Uma visão holística da inclusão das pessoas com necessidades especiais, significa ver a inclusão como um todo funcional, compreendendo suas inter-relações entre as partes envolvidas.
Numa visão ecológica da inclusão, implicaria a percepção de como as inclusões das pessoas com necessidades especiais serão inseridas em seu ambiente natural e social: de que precisaremos para executar este paradigma, quais as estratégias fundamentais? Por exemplo, à questão do transporte: estamos falando do quanto as pessoas com necessidades especiais e a sociedade estão dispostas a investir em locomoção que está relacionada a velocidade, segurança, conforto, prestígio e seus efeitos de conseqüência no meio-ambiente. Isto envolverá valores diferentes, dependendo da escolha do transporte, por exemplo: entre carro adaptado, ônibus adaptado, cadeira de rodas. O individuo poderá ser visto como um pobre coitado, alguém de bom senso, respeitável, admirável, o rico que tenta esconder a deficiência, e outras possibilidades.
A metáfora central da ecologia é a rede em oposição à hierarquia (estrutura de poder); é provável que teremos uma mudança na organização social, de hierarquias para redes, em vez de um paradigma baseado em valores antropocêntricos (centrados no ser humano) surgirá um paradigma baseado em valores ecocêntricos (centrados na Terra), reconhecendo o valor inerente de vida não humana. Portanto os valores poderiam estar voltados para o tipo de transporte escolhido pela pessoa com necessidades especiais: se for poluente, se usa material reciclável, se beneficia a saúde da pessoa ou a torna sedentária e dependente, se ocupa muito espaço, etc …
A partir desses conceitos, precisaremos de um novo sistema de ética, diferente do atual, e nossos filhos deverão ser preparados para sobreviver no futuro entendendo os princípios básicos da ecologia: interdependência, reciclagem, parcerias, flexibilidade, preservação, respeito, cultivo e diversidade.
Neste momento a Escola, o educador e todos nós, precisaremos investir na consciência do nosso meta-pensamento, isto é, saber como se resolve um problema. Significa pensar em termos de conexões, relações, contexto, interações entre os elementos de um todo; de ver as coisas em termos de redes e comunidades. Como a cadeia alimentar, a cadeia de predadores que inclui o homem como o único que mata sem ter fome, que destrói sem ter motivos, apenas pela satisfação e onipotência de seu domínio sobre as espécies “inferiores”.
Levar o educando a saber pensar amorosamente e sistematicamente envolve capacitá-lo a ver “processos” em qualquer fenômeno, despertar sua sensibilidade afetiva de ver mudanças (reais ou potenciais), crescimento e desenvolvimento, de compreender coisas através do conceito da gestalt (um todo é maior do que a soma das suas partes); de reconhecer que as nossas percepções são condicionadas pelos nossos métodos de questionamento e que a objetividade em ciência é muito mais uma meta do que um fato.
Ver o mundo em termos de sistemas interconectados envolve conhecimento de cibernética (padrões de controle e comando), e de como lidar com complexidade e com estruturas dinâmicas.
As próprias escolas têm que ser convertidas em organizações de auto-desempenho. A sobrevivência tanto nas organizações quanto de indivíduos dependerá mais de sua capacidade de funcionar com auto-desempenho do que de outros fatores, como monopólios, patentes, territórios exclusivos, sigilo ou localização. E as escolas que não se adaptarem a nova realidade serão colocadas à margem do processo. Todos os especialistas em (construção de equipes) trabalham exclusivamente em nível empresarial, uma empresa em si mesma; necessitamos que as escolas acreditem que o trabalho em grupo não é uma coisa tão natural, espontânea, sendo que isto não é um fato, há necessidade do exercício e propostas para se desenvolverem de forma grupal, solidária, cooperativa e acima de tudo humanística, do contrário nada se modificará.
A capacitação dos professores daqui em diante precisará incluir técnicas que incentivem os alunos para cooperação, sendo o “trabalho em grupo” uma estratégia na sala de aula, o papel do professor como mediador dos alunos. O próprio educador precisa se tornar um agente de mudança trabalhando em grupo com seus colegas, com outras pessoas da escola.
As novas tecnologias de comunicação nos permitem individualizar a aprendizagem, deixando cada aluno navegar sobre vastos territórios de informação virtual, imagética e sonora, destacando os assuntos que agradam e isolando os que desagradam, aprofundando-se nas categorias de informação que se afinam com o seu “saber” individual de aprendizagem. Em conseqüência de estarmos vivendo na Era da Informação, um novo espaço de atuação profissional está sendo gerado, colocando de maneira paralela a Comunicação e a Educação.
A sociedade atual exige pessoas detentoras de tipos diferentes de capacitação, com talentos variados, sobrepostos e mutáveis.
Sabemos que o novo paradigma está sendo proposto pela Biologia – a Genética (o universo visto como um e muitos organismos, entes auto-reprodutivos, se auto-organizados, levando a examinar as coisas em termos de seus relacionamentos externos, os seus contextos, a sua conectividade, o seu crescimento e evolução).
Estas idéias complementam duas outras correntes intelectuais que têm implicações fortes para mudanças em Educação: a inteligência artificial – cibernética (utilizada para examinar os processos cognitivos no ser humano e suas possíveis aplicações na construção de máquinas “inteligentes”) e a vida artificial (estudo de sistemas criados artificialmente por robôs que exploram e constroem, vírus de software que matam outros vírus). Esse segmento inclui pelo menos algumas das características, ou propriedades, de “vida humana real” (por exemplo, crescimento, reprodução, auto-manutenção, auto-regulamentação, exigência de nutrientes e energia), pressupostos que levam a pensar sobre a evolução e o comportamento humano.
O saber precisa ter sabor, precisa ter gosto, agradar o paladar, degustar, apreciar, despertar desejos de quero mais.
De que professor estamos falando? Falamos da passagem do professor para o educador, uma mutação.
Referenciamos também para colaborarem com nosso olhar as grandes contribuições dos psicanalistas. D. Winnicott e W. Bion. O primeiro autor propõe os paradoxos humanos e sua experiência cultural enquanto o segundo refere-se ao ser humano como sendo um tipo de artista latente que precisa ser descoberto.
Estas contribuições podem nos ajudar a obter um excelente espectro de tonalidades para atuação. Contudo não consideramos as mesmas como estruturas fechadas, técnicas mágicas e mais uma avalanche de especialistas. Entendemos aqui como um produto de movimentos científicos que se chocaram sem causa aparente, mas tendo resultados, efeitos mutantes e diríamos interessante: a transformação de riquezas dispares e comuns, cujos fenômenos originários ocuparam um lugar. Parafraseando W. Bion, talvez fossem pensamentos que sempre estiveram ali a espera de um pensador! Não temos as respostas, apenas constatações.
A escola da atualidade necessita ser mais flexível, ser inteira e representar a vida, portanto humanizada. Nossas escolas baseiam-se inteiramente em torno da noção de disciplina e comportamento. O educador das primeiras às quartas séries deixa de ser o “professor” para ser tornar o “professor de algo”, depois temos ” o professor das disciplinas” das quintas às oitavas séries. Professor de geografia, professor de matemática, quando em última análise, deveria ser professor de gente, não de matérias. A escola corre atrás de resultados quantitativos, e deixa de ser de qualidade perdendo a oportunidade de entender como se chega aos resultados. Alunos mal comportados, deficientes, lentos, com altas habilidades e criativos são excluídos do sistema, não há lugar para o potencial ou sofrimento humano, pensar a dor, afeto, é algo muito complexo para nossa escola abarrotada de alunos nas classes. Como ouví-los?, como criar espaços suficientemente humanos de intervenção ? Mas temos o jargão democrático para aferir “toda criança na escola”, mas ninguém pergunta: como?, de que maneira está na escola?, qual seu efetivo aproveitamento?, instalação?, qualidade?
Podemos criar várias disciplinas falando de cidadania, honestidade, valores, etc… Os valores têm de ser vividos, vivenciados; a crise na educação não é outra coisa senão a perda de sentido, nos remete a idéia da educação ter um sentido coletivo humanizado.
Não proponho respostas, mas desenvolver nossa capacidade de pensar o cotidiano, talvez encontraremos diversas soluções paulatinas.
Reconhecer que podemos promover uma nova forma de aprendizagem, muitas vezes longe do que pretendíamos como objetivo principal, acredito que aí esteja a arte em ser educador.
Ver o que não está no aparente, no pedagógico, no conteúdo programado, no concreto, mas considerar o crescimento humano que a pessoa adquiriu durante aquela experiência. Como educadora considero isso como relevante porque ficará por toda vida!
“Tudo isso é aprender. E aprender é sempre adquirir uma força para outras vitórias, na sucessão interminável da vida”. (Cecília Meireles).
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* Marina S. Rodrigues Almeida – Consultora do Instituo Inclusão Brasil – Psicóloga, Pedagoga e Psicopedagoga – CRP 06/41029-6 / [email protected]
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