Bicarbonato x Câncer – estudos científicos

Rafael Soares e Gabriel Cunha *

Há algum tempo escrevi um comentário sobre um spam, rodando pelos emails, citando um tratamento utilizando bicarbonato de sódio na cura do câncer.

O autor do citado tratamento (Dr. Tullio Simoncini) dizia que o tratamento funcionava mas não era divulgado por lobby de indústrias farmacêuticas querendo proteger seu quinhão de clientes cancerosos.

Critiquei a falta de embasamento científico do citado tratamento, afirmando que seria fácil montar um experimento em animais provando ou não a eficácia do bicarbonato. Mas, na época, ninguém apareceu com fatos científicos.

Porém, foi noticiado recentemente um trabalho em uma revista científica importante, (ver anexo abaixo) mostrando os benefícios possíveis do controle do pH em tumores. Na verdade foram dois trabalhos, um com modelo animal e outro com modelo computacional. Claro que choveram comentários dos entusiastas do bicarbonato.

Bem, li os artigos.

Vamos aos fatos citados na introdução:

    • • Tumores tem pH mais ácido – o pH ideal do corpo humano é 7,2 a 7,4. Nos tumores o pH é de 6,6 a 7,0. Isto se deve ao fato das células tumorais não terem acesso fácil a vasos sanguíneos, assim, na falta de oxigênio, elas recorrem à respiração anaeróbica, o que acaba gerando ácido lático e outros metabólitos ácidos.
    • • Ambientes ácidos favorecem tumores – células tumorais pré-cultivadas em pH baixo produzem proteínas associadas ao crescimento celular e parecem ser mais invasivas quando injetadas em animais.
    • • Células normais não toleram pH ácido – em detrimento às células tumorais que conseguem se desenvolver nesses ambientes ácidos.

Assim surgiu um modelo de invasão tumoral dependente de acidez: o tumor cresce; sem oxigênio suficiente passa a respirar anaerobicamente, deixando o ambiente ácido; células normais em volta morrem; células tumorais que resistem à acidez invadem os tecidos adjacentes.

Vamos aos resultados do trabalho in vivo:

Camundongos foram inoculados com células tumorais para desenvolverem tumores e divididos em dois grupos: os que receberam o tratamento de bicarbonato e os de controle, ou seja, sem  tratamento com bicarbonato. Resultados:

    • • Mudar a acidez não afetou crescimento de tumores primários. Mas reduziu o número e o tamanho das metástases no pulmão, intestino e diafragma. Assim os animais tratados com bicarbonato acabaram vivendo mais.
    • • Não houve alteração na acidez do sangue ou de órgãos normais.
    • • Dois tipos de células tumorais foram injetadas sistemicamente (na veia) dos animais. Uma delas formou menos tumores em camundongos tratados comparando com os animais sem tratamento. O outro tipo não mostrou diferença entre os tratados e não-tratados com bicarbonato.

Portanto este é o primeiro trabalho científico que registra beneficio do uso de bicarbonato de sódio no tratamento de metástases.

Boa notícia, já que o bicarbonato já é usado por pessoas em quantidade não muito diferente da que usaram proporcionalmente nos camundongos (equivalente a 12,5 g/dia para uma pessoa de 70 kg), e não é relatado nenhum efeito colateral importante devido a este uso.

Teoria do fungo e da conspiração

Agora quanto ao caso do ex-médico Tullio Simoncini que prescrevia bicarbonato a seus pacientes permanece o alerta. A via de ação do bicarbonato apresentada aqui por este trabalho parece muito interessante e não tem absolutamente nada a ver com a idéia de Simoncini de fungos causando tumores.

Este trabalho também mostra que não existe um lobby velado da indústria farmacêutica impedindo pesquisas e publicações com substâncias que possam ir contra seus ganhos. A pesquisa com bicarbonato foi feita e publicada nesta revista muito conceituada no meio científico. Existe lobby sim, mas ele atua de outras formas, e não impedindo pesquisa básica independente.

Fique também claro que este trabalho, apesar de parecer ter sido bem conduzido, ainda precisa ser confirmado por outros laboratórios. A repetição de resultados é a última garantia de que aquele dado é realmente confiável. Aguardemos mais boas notícias.

* Os Autores:

Rafael Soares – Biólogo formado pela UNESP – Rio Claro e doutorando pela Biotecnologia da USP. Realiza pesquisa na área de terapia gênica do câncer.

Gabriel Cunha – Outra cria da Biologia UNESP/RC, começando o Doutorado em Biologia Molecular na UNIFESP. Também é professor e anda viciado em criação de conteúdo.


ANEXO

Bicarbonato de sódio confina tumores, sugerem pesquisas

Por Eduardo Geraque – Folha de S. Paulo em 16/06/2009

A importância do uso do bicarbonato de sódio para frear o surgimento de metástases tumorais ganha força com resultados recentes de experimentos feitos em camundongos. A substância eleva o pH do ambiente tumoral, o que dificulta a proliferação das células.

“Os testes em animais mostram que o bicarbonato deixa o tumor confinado”, afirma Andres Yunes, pesquisador do Centro Infantil Boldrini, em Campinas, interior paulista.

Os animais tomaram bicarbonato via oral. A acidez dentro de um ambiente tumoral (pH mais baixo) torna a doença mais agressiva, como várias pesquisas já demonstraram.

Com os dois estudos publicados no periódico “Cancer Research”, que reuniu grupos americanos (Arizona e Flórida) e um brasileiro (Boldrini), a hipótese que associa acidez a metástases fica mais robusta.

A tendência é que ela seja examinada em testes em humanos, que devem ser feitos nos EUA, no curto prazo.

De acordo com Yunes, que participou dos estudos ao ajudar a desenvolver um simulador computacional de tumor, existem argumentos para que testes clínicos com o bicarbonato em humanos possam ser feitos também no Brasil.

O modelo de computador, desenvolvido pelo engenheiro Ariosto Silva, hoje na Universidade da Flórida, corrobora a importância da acidez.

A ferramenta simulou o crescimento de um tumor de mama em três dimensões a partir de cenários reais. A substância ideal para neutralizar o tumor teria de ter um pH por volta de 7. O bicarbonato tem um pH de 6,1. Não é o ideal, mas serve.

Porém, os caminhos para frear tumores agressivos, diz Yunes, são vários. Uma saída é interferir diretamente na resistência do tumor à acidez.

“Tudo indica que essa maior resistência é por causa de uma proteína específica”, diz Yunes. Portanto, pode-se pensar em uma droga que aja diretamente sobre ela. O resultado esperado é que o ambiente ácido, antes benéfico, acabe agora se voltando contra as células tumorais.

Leia também: O todo não foi curado? O problema retornará!

Vídeo: Alcalinização Milagrosa (ppt)

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