José Ângelo Gaiarsa – o Equilibrista

Conceição Trucom

O jornalista mineiro Lauro Henriques Jr.* relata em seus livros Palavras de Poder as entrevistas que realizou com grandes nomes da espiritualidade e do autoconhecimento no Brasil e no mundo.

Trata-se de uma trilogia onde os 2 primeiros volumes já estão editados pela LEYA e o terceiro está sendo forneado… Sim, estarei nele. Que gratidão pelo convite, que honra por estar no meio destes personagens cósmicos.

Bem, peguei o volume 1 para ler e fui na sequência: Monja Coen, Professor Hermógenes, Divaldo Franco, Ian Mecler… E, relutei em ler quando cheguei no Gaiarsa porque já o conhecia de vários cursos e palestras, então pensei: vou pular, vou ler não. Mas felizmente algo em minha mente decidiu: experimenta, quem sabe tem algo de novo?

Surpreendeu! Ao finalizar a leitura deste texto que compartilho a seguir, gratamente cedido pelo Lauro aos internautas do Doce Limão, tive que fechar o livro e pensei:

Preciso de um tempo para registrar, assimilar, digerir, curtir a alegria de ter
conversado mais uma vez com o irreverente e vanguarda Gaiarsa! (1920 – 2010)


Na manhã de 7 de agosto de 1974, o assombro tomou conta de todos que circulavam pelas ruas próximas ao World Trade Center, em Nova York. É que, lá no alto, a mais de 400 metros de altura, o acrobata francês Philippe Petit caminhava sobre um cabo de aço suspenso entre as duas torres, equilibrando-se em meio a fortes ventos sem qualquer equipamento ou rede de segurança. Durante quase uma hora, ele andou de lá para cá, dançou e até fez gracinhas para os policiais que se aglomeravam nos terraços. O passeio terminou com a prisão de Petit e de outros amigos que o ajudaram na façanha, que f cou conhecida como “o crime artístico do século”. Solto depois, o francês não titubeou quando lhe perguntaram sobre a razão de fazer aquilo: “Não tem um porquê”, disse. “A vida deve ser vivida no limite. Você tem que se recusar a se ater a regras, a f car se repetindo. Tem que ver cada dia como um verdadeiro desaf o – aí sim você vive como se estivesse numa corda bamba.”

As palavras do francês – cujo feito é narrado no documentário O Equilibrista, ganhador do Oscar em 2009 – poderiam muito bem ter sido ditas pelo psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa, considerado o maior especialista brasileiro em comunicação não verbal. Formado em medicina pela USP, Gaiarsa escreveu mais de 30 livros, sobre temas variados, destacando a importância de algo que, em geral, não é enfatizado nos livros de psicologia: o corpo. Desde o modo como respiramos e nos movemos até nosso jeito de olhar, a sabedoria do corpo é trazida à luz sob a ótica original e, muitas vezes, iconoclasta do dr. Gaiarsa. Irreverente e sem papas na língua, por anos apresentou um quadro de sucesso na TV, em que respondia, ao vivo, a dúvidas sobre temas como família, amor e sexualidade.

Com milhares de horas de atendimento em consultório, manteve uma vitalidade invejável até o fm da vida. Pouco tempo depois de nosso encontro, o dr. Gaiarsa fez sua passagem, aos 90 anos, em 16/10/2010, enquanto dormia. Como me disse a Monja Coen: “Ele acordou do sonho, sonhando”. Suas palavras e sua obra seguem afrmando o valor de vivermos todas as nuances da existência, do corpo ao espírito, sem nos atermos a esta ou àquela certeza: “O importante não é ser equilibrado, mas ser um bom equilibrista”, diz o mestre.

COMECEMOS NOSSO CONTATO PELO TOQUE. NO PREFÁCIO DO LIVRO TOCAR, DO INGLÊS ASHLEY MONTAGU, O SENHOR DESTACA O QUANTO NOS FALTA EM PROXIMIDADE, QUE NÃO SABEMOS TROCAR AFETO, E OS MALES QUE ISSO NOS TRAZ – E SE PERGUNTA: “POR QUE NOS AFASTAMOS TANTO ASSIM UNS DOS OUTROS?”. EU LHE FAÇO DE NOVO ESSA PERGUNTA, E MAIS: COMO FAZER PARA NOS CURARMOS DESSA DOENÇA DO “NÃO ME TOQUE”?

Essa é uma questão crucial. O próprio Jesus tentou resolver isso; ele disse: “Amai-vos uns aos outros” – e foi crucifcado. Acontece que o tato foi o primeiro sentido a se desenvolver no ser humano, aliás, em qualquer ser vivo. Basta observar até o mais simples organismo unicelular ao microscópio, a incrível sensibilidade dele ao contato. No fundo, o que o tato nos diz é: “Olha, se você encostou, é porque não é você”. O limite do ego é a pele. Se me tocou, não estava em mim. Agora, por que todo esse medo do toque? Porque, ao tocar, a pessoa se envolve, se confunde com o outro. Pele na pele, não há maior intimidade do que essa.

Claro, isso se não envolver alguma intenção machista, na linha do “vamos transar”, que é uma forma de apagar o encontro verdadeiro. Pois o contato puro, sem intenção, altera a pessoa. Quanto mais suave, macio e cuidadoso for o toque, mais a pessoa se derrete. Derrete o “eu”, pois nós vamos perdendo a rigidez. O que é tudo o que as pessoas mais desejam e, portanto, mais receiam.

E, NO LUGAR DO TOQUE, VAMOS ENCHENDO NOSSAS RELAÇÕES DE PALAVRAS…

Justamente. O Marshall McLuhan disse tudo o que eu queria dizer: “O acontecer é global e simultâneo; ao passo que o verbal é linear e sucessivo”. Portanto, as palavras jamais dirão o que é a realidade. A cada instante, acontece um número absolutamente ilimitado de fatos, no cosmos, no planeta, em cada um de nós. E é impossível restringir essa vastidão de experiências a um bocado de letrinhas. Dizem que a marca do homem é a palavra. Mas, a meu ver, a humanidade está se perdendo em palavras. Um exemplo são as centenas de teorias surgidas ao longo da história, todas trazendo “a verdade”, enquanto, a cada dia, o homem vai se perdendo mais de si.

MAS, EM MEIO A ESSE LABIRINTO TODO, NÃO DÁ PARA NEGAR QUE AS PALAVRAS TAMBÉM COMUNICAM, NÃO É?

Claro. Mas quando é que elas comunicam? Quando acontece o que está acontecendo agora entre nós: estamos olhando um para o outro, totalmente presentes e interessados no que falamos. Mudou a relação, muda o signifcado das palavras. É só pegar o dicionário para ver. Termos como “liberdade”, “alma”, “razão” e muitos outros têm até 20 signifcados diferentes. Quando digo “lógica”, a chance de você entender exatamente o que eu disse é quase zero. Mas o pressuposto básico da linguagem é de que é possível transmitir a essência das coisas por palavras. E não é.
Parece óbvio, mas nenhuma gramática fala disso. Como um amigo me disse: “Gaiarsa, você é o mestre do óbvio, tudo o que você diz a gente já sabia”. Tenho orgulho desse título: mestre do óbvio. Em suma, sempre que palavras são faladas, elas são faladas por um ator, numa cena. Se ele mudar a expressão não verbal, seus gestos, o tom de voz, altera todo o sentido do que está sendo dito.

O SENHOR ATÉ AFIRMA QUE MUITAS VEZES “O QUE AS PESSOAS DIZEM (CONSCIÊNCIA) TEM POUCO A VER COM O QUE MOSTRAM (INCONSCIENTE)”. COMO SE DÁ ESSE PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL?

A linguagem não verbal é a forma primária de comunicação. Por exemplo, os bichos se entendem por meio de rosnados, posturas, caretas. Para se ter uma ideia do peso disso, as áreas motoras do cérebro responsáveis pelos movimentos das mãos, da face e da garganta são até seis vezes maiores do que a área que se ocupa de todo o resto do corpo. Todas as palavras são ditas junto de expressões faciais, gestos e tons de voz variados. Se mudar uma dessas variáveis, o sentido da frase muda totalmente.

O que Freud chamava de inconsciente, na verdade, é  visível e se manifesta na linguagem não verbal. Experimentos com flmagens em câmera lenta mostram isso bem. Por exemplo, a pessoa está com um discurso todo bonitinho, e o terapeuta, de repente, pergunta: “E seu pai?”. Na flmagem em câmera lenta se vê que, antes de responder, o paciente faz uma série de expressões faciais extremamente reveladoras. Isso em questão de décimos de segundo. É o nosso bicho – ele responde na hora, e ninguém consegue segurar, nem jogador de pôquer. Eu faço uma pergunta, a cara da pessoa já respondeu, independentemente do conteúdo da falação que vier, pois, muitas vezes, a cara diz uma coisa, e as palavras dizem outra. Não sei de onde tiraram essa ideia de que “Quem vê cara não vê coração”…

O DITADO TINHA QUE SER AO CONTRÁRIO ENTÃO: “QUEM VÊ CARA VÊ CORAÇÃO”?

Vê, e muito. Assim, para compreender, de fato, o que o outro está dizendo, é preciso olhar para ele, perceber sua postura, seus gestos, seu tom de voz. Mas, sobretudo, olhar. O caminho é olhar, com atenção. Às vezes, ao ver um casal apaixonado, as pessoas dizem: “Minha nossa, esses namorados parecem bobos, só fcam olhando um para o outro”. É claro que fcam se olhando, este é o momento amoroso. As duas pessoas estão juntas porque seus olhos veem de modo parecido.

OU SEJA, O ESSENCIAL PARA A COMPREENSÃO DO OUTRO É SABER PRESTAR ATENÇÃO A ELE?

Para a compreensão do outro e para a compreensão de si mesmo. No meu livro Espelho Mágico, falo sobre algo que para mim é a verdade mais escandalosamente luminosa do universo: eu não me vejo por fora como o outro me vê. Repito: eu não me vejo como  você me vê. Meu espelho mágico é o outro, e vice-versa. Assim, prestar atenção é essencial. Ao dar atenção, você está dando o seu “aqui e agora” para alguém, e isso é a única coisa que você tem para dar. Por isso, é preciso muito cuidado em como e para quem você dá a sua atenção.

O SENHOR TAMBÉM FALA DA IMPORTÂNCIA DE DARMOS ATENÇÃO À NOSSA CRIANÇA INTERIOR. COMO É ISSO?

O adulto adora fazer cara de sério, de gente “respeitável”, vendo com péssimos olhos os aspectos ditos “infantis” em nós. Mas nossa criança interior é a base de tudo o que podemos vir a ser. É essencial saber ouvi-la, cultivar as situações de encantamento, de brincadeira, de risadas, que são quando ela se manifesta. Aliás, minha defnição de amor é esta: se você se sente criança, encantando, olhando, rindo, você está amando. Quando ama, a pessoa vive a sua criança autêntica, anterior às repressões impostas pela sociedade.

E COMO SE DÁ ESSE PROCESSO DE REPRESSÃO INFANTIL?

Esse é um dos maiores crimes da sociedade, pois a criança é um ser extremamente sensível e inteligente. Por exemplo, de zero a quatro anos, nosso cérebro atinge 90% do tamanho. O que signifca que, nesse período, a criança aprende quase tudo o que vai aprender na vida. Mas nossa educação é como a história do Pinóquio ao contrário: o Pinóquio é um boneco de pau que vira menino; e nós fazemos o menino virar um boneco de pau. Porque a palavra mais usada na infância é “não”: não corre; não pula; não mexe; não sei mais o quê. Com isso, a criança vai se transformando num boneco, vai perdendo a espontaneidade, a criatividade.

E como é que esse Pinóquio se conserva ao longo da vida? Graças aos outros Pinóquios como ele. Como escrevi um dia: “Todos vigiam todos para que ninguém faça o que todos gostariam de fazer”. Ou seja, a paralisia é induzida já na infância, para que o sujeito seja uma pessoa “normal”; e depois todos vão contribuindo para manter a “normalidade” geral da nação, cada um mais perdido de si que o outro.

NESSE SENTIDO, OS TÍTULOS DE DOIS DE SEUS LIVROS – A ENGRENAGEM E A FLOR E A ESTÁTUA E A BAILARINA – FAZEM REFERÊNCIA A MODOS DISTINTOS DE SER NO MUNDO, OS QUAIS, DE CERTA FORMA, PODERÍAMOS CHAMAR DE “O AUTÔMATO RÍGIDO” E “O DANÇARINO AMOROSO”. POR QUE A MAIORIA DE NÓS OPTA PELO CAMINHO DO AUTÔMATO?

A analogia é perfeita, mas nós não optamos – nós simplesmente não temos escolha. Somos moldados na infância, e, depois, todos controlam todos, a bem da segurança coletiva. Daí, vivemos como autômatos, com comportamentos repetitivos, sem mobilidade. Algo que vai contra nosso próprio sistema biológico. Os dados de nossa motricidade mostram isso bem. Nada menos que dois terços do cérebro são dedicados ao sistema motor. E o cerebelo, que tem mais neurônios do que todo o resto do cérebro, é quase inteiro motor. Por que todo esse aparato? Porque, ao longo de 2 milhões de anos de evolução, nossos ancestrais aprenderam a verdade da natureza: movimento é sobrevivência. Só sobrevive a espécie que percebe e reage rápido. Não à toa, o cérebro é dois terços movimento, e, do que sobra, mais da metade é visão. E tem mais.

Os livros ensinam que temos cerca de 500 músculos. Mas o que quase ninguém sabe é que também temos 250 mil dos chamados neurônios motores, cada um deles ligado a um grupo de fbras musculares. E que cada unidade motora, que é o neurônio motor mais o músculo, tem, no mínimo, dez graus de contração diferentes. Multiplique isso e veja o que dá. Ou seja, matematicamente demonstrado, nossa amplitude de movimentos é quase infnita. Por isso Shiva é o mais legítimo dos deuses, pois é o deus da dança, o deus do movimento.

E COMO FAZER PARA DESPERTAR ESSE SHIVA QUE EXISTE EM NÓS?

Mexa-se muito e respire bastante. É o que eu faço todos os dias: eu danço. Ponho uma música e danço. Não é ginástica. A coisa é mexer o corpo inteiro, sempre respirando,  quanto mais, melhor. Aliás, essa é uma técnica de vitalização permanente. Na realidade, as pessoas morrem por rigidez de movimentos e sufocação gradual. É isso que favorece o aparecimento de doenças. Como antídoto a essa morte anunciada, um conselho prático: mexa-se, e respire bastante.

E HÁ ALGUM MODO CERTO DE RESPIRAR, ALGUMA TÉCNICA PARA ISSO, COMO NO RENASCIMENTO (1) OU NA RESPIRAÇÃO HOLOTRÓPICA (2)?

A técnica é apenas uma: muita respiração, do seu jeito. Não existe modo certo de respirar. Apenas fque de pé e respire bem mais do que costuma, cerca de cinco minutos já são sufcientes. Vá respirando e, se o corpo se mexer, acompanhe o movimento, pois é o corpo querendo se desamarrar. Nosso corpo é como um bicho mantido preso. Se você dá oxigênio, ele começa a despedaçar as amarras. Chamo isso de técnica de exorcismo: coloque-se de pé e, por alguns minutos, respire bastante, estando bem presente ao corpo, deixando ele se mexer.

Agora, é importante uma ressalva aqui: existe um risco. Por causa da oxigenação a que a pessoa não está acostumada, às vezes podem aparecer bichos sérios, como, por exemplo, muito medo ou muita raiva. Assim, se quiser fazer esse exercício, é bom ter um amigo ao lado que lhe sirva de apoio numa situação difícil. Com o tempo, se adquire familiaridade. Mas, no começo, eu diria que é uma técnica altamente eficiente, mas ligeiramente perigosa. Assim, vá devagar e tenha uma assistência.

O SENHOR CHEGA A DIZER QUE A RESPIRAÇÃO TEM TUDO A VER COM O PRÓPRIO ESPÍRITO. QUAL É A RELAÇÃO?

Minha definição é esta: “Espírito é o invisível, todo-poderoso, que me dá vida”. Ou seja, o espírito é o oxigênio do ar. Aliás, não é à toa que as palavras “respiração” e “espírito” têm a mesma origem etimológica, a raiz spir – a conexão entre as duas coisas é total, ambas falam do invisível que nos dá vida.

JÁ QUE TEMOS A SUA DEFINIÇÃO, GOSTARIA DE TRAZER UMA DO PSICANALISTA CARL G. JUNG, QUE O SENHOR DIZ SER SEU MAIOR MESTRE: “O ESPÍRITO É A EXPERIÊNCIA INTERIOR DO CORPO”. O QUE ACHA DESSA AFIRMAÇÃO? 

Assino embaixo. O Jung é meu pai espiritual. E o que é que ele está falando? Dê atenção a seu corpo; não se transforme numa estátua de imobilidade; não se mumifque. Uma múmia ou uma estátua não têm espírito, não têm vida. E a vida só acontece quando eu troco infuências, quando me envolvo, plenamente, comigo mesmo e com o outro. Como já escrevi: “Quem não se envolve não se desenvolve”.

NO LIVRO TRATADO GERAL SOBRE A FOFOCA, O SENHOR ABORDA A COMPULSÃO DE FALARMOS DA VIDA ALHEIA, DIZENDO SER ESSE “O MAIS FUNDAMENTAL DOS FENÔMENOS HUMANOS”. O FALATÓRIO É MESMO TÃO GRANDE ASSIM?

O falatório é total. A fofoca é tida como um passatempo inofensivo, mas é a arma mais poderosa de controle social. Como eu disse, todos vigiam todos para que ninguém faça o que todos gostariam de fazer. O controle coletivo sobre o indivíduo se dá pelo nosso modo de falar do outro; a frase típica é esta: “Nossa, sabe a fulana? Você não imagina o que ela fez!”. E a coitada da pessoa que está sendo alvo da fofoca ainda pensa: “Nossa, o que eu fz? O que vão achar de mim…”. Mas o que essa pessoa fez? Nada, apenas deixou de ser autômata, de marchar conforme o batalhão. Esse controle da fofoca é tão efcaz que o medo de ser falado está por trás da inibição da maioria de nossos desejos e projetos pessoais. Tudo em nome da bendita segurança coletiva. Aliás, eu adoro as palavras pela sua ambiguidade. Por exemplo, o que é ter “segurança”? É estar seguro – ou seja, é estar preso, sem poder se mexer.

UMA DAS COISAS QUE OUVIMOS O TEMPO INTEIRO É QUE PRECISAMOS SER PESSOAS EQUILIBRADAS. E O SENHOR TEM UMA FRASE DE QUE GOSTO MUITO, EM QUE DIZ: “O IMPORTANTE NÃO É SER EQUILIBRADO, MAS SER UM BOM EQUILIBRISTA”. PODE FALAR SOBRE ISSO?

O que nos fez humanos foi a posição ereta. Cair em pecado é perder essa posição, é virar quadrúpede. E quem nos protege dessa “queda” é o cerebelo. Ameaçou cair, ele atua como o anjo da guarda: “Não caia em pecado”. Mas ser equilibrado não quer dizer ser estático. Pelo contrário. O centro de gravidade do corpo varia o tempo todo, a cada posição nossa, ele se desloca para um ponto diferente. E a função do cerebelo é nos trazer de volta para o centro. O segredo é esse balanço. E nisso estão implícitas todas as formas de balanço que experimentamos na vida, como a alternância entre os momentos de repouso e atividade, de alegria e tristeza, de festa e introspecção. Ou seja, o importante não é ser equilibrado, fazendo tudo do jeito tido como “certo”, mas ser um bom equilibrista, se mover nesse balanço, indo e voltando, experimentando a variedade da vida sem perder o centro de equilíbrio.

O SENHOR ESCREVEU QUE A PROPOSIÇÃO ESSENCIAL DE WILHELM REICH, ENQUANTO TERAPEUTA DO HOMEM OCIDENTAL, FOI ESTA: “A MAIS INSUPORTÁVEL DE TODAS AS ANGÚSTIAS É A ANGÚSTIA DE PRAZER”. COMO SE DÁ ISSO?

Essa angústia de prazer está ligada ao que falamos antes, sobre a repressão em torno do ato de tocar, o medo de se envolver. E o próprio relacionamento sexual, que seria a melhor hora para se treinar o toque e o envolvimento, acaba funcionado ao contrário, pois as pessoas já entram com a intenção limitante de “aqui é para transar”. Com isso, acaba-se reduzindo a possibilidade amorosa a uma mera conquista. Esta é a forma mais refnada de repressão sexual. Em vez de perceber o outro, de entrar em contato com ele, a pessoa se preocupa apenas com a sua performance, com aquela exibição ansiosa de gritos e espasmos, em resolver logo a situação. Isso não é prazer, isso é ansiedade.

E COMO FAZER AS PAZES COM O PRAZER? COMO FAZER DO ENCONTRO A DOIS UM LEGÍTIMO RITUAL DE COMUNHÃO?

Com interesse, cuidado, atenção. O encontro amoroso envolve muito carinho, curiosidade, calma. O corpo adulto possui, em média, dois metros quadrados de pele, com nada menos que 500 mil pontos sensíveis. Ou seja, duas pessoas interessadas em descobrir uma à outra podem passar a vida inteira fazendo isso. O importante é ir aos pouquinhos, sem pressa, aprendendo a se tratar bem, se olhando, rindo, com muita presença e carinho. Aí sim nos aproximamos de um ritual de comunhão.

Há alguns anos, li a história de um monge budista que precisou passar por uma longa preparação até que lhe fosse permitido entrar num templo no centro mais sagrado da cidade de Lhasa, no Tibete. Então, quando o novato fnalmente pôde entrar no templo, o que ele viu lá, bem em cima de um altar? Ele viu uma imagem belíssima de um casal em relação sexual, com o homem e a mulher sentados um de frente para o outro. E por que essa imagem está num altar? Porque o encontro sexual não é uma “transa”, é o ato da criação. Simplesmente isso.

(1) Técnica de respiração consciente desenvolvida pelo americano Leonard Orr. Confra entrevista com Leonard Orr na edição do livro Palavras de Poder com personalidades internacionais.

(2) Técnica criada pelo tcheco Stanislav Grof, baseada principalmente em respiração acelerada e música evocativa. Confra entrevista com Stanislav Grof na edição do livro Palavras de Poder com personalidades internacionais.

(*) Lauro Henriques Jr. nasceu em BH/MG e como jornalista trabalhou como editor do Almanaque ABRIL e da Revista Religiões – Editora Abril. É autor do livro de poemas em prosa FRAGMENTOS DO SOL CHUVOSO (Ateliê Editorial).
11 de outubro de 2019

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