A Mídia que Balança o Berço

Maria Helena Masquetti *

Nestes tempos de crianças expostas a tantos tipos de mídia, o velho provérbio “a mão que balança o berço governa o mundo”, propicia uma reflexão sobre quem é realmente a maior autoridade na estrutura familiar. Tomando-se por autoridade aquele que provê a manutenção da família, supõe-se que ambos, marido e mulher, dividam entre si esse papel de governar a educação dos filhos. No entanto, cada vez mais, as crianças expressam valores e anseios contrários aos da educação recebida em casa e na escola. O fato é que elas dependem dos exemplos adultos para a construção de sua identidade. E, por acreditarem no que ouvem ou vêem, em sua lógica infantil, passam a ver a mídia [1] como outra autoridade dentro de casa.

Por meio dos sites, jogos eletrônicos, revistas, mensagens comerciais e programas inadequados, a mídia propõe-se a satisfazer, de várias formas, os desejos infantis que, pela manobra persuasiva, se convertem em necessidades. Expresso em números, (Interscience, 2003), o resultado desse bombardeio de mensagens e apelos comerciais é de 80% de influência das crianças nas compras da família. Isso concorre para diminuir a autoridade dos pais perante os filhos.

A propósito, há alguns meses, muita gente viu um comercial de automóvel equipado com um aparelho de DVD, insinuando que a atuação dos pais pode ser dispensável na vida dos filhos mediante a aquisição de determinada tecnologia. A mensagem mostrava dois carros na estrada. Em um deles, os pais se desesperavam por não saber como conter as rusgas entre os filhos pequenos enquanto, no outro, equipado com o aparelho DVD, o clima era de total tranqüilidade pela atenção das crianças presa à tela.

O que melhor explica o fato dos filhos aderirem tão mais prontamente a tantas mensagens da mídia e desdenhar os ensinamentos dos pais é a permissividade expressa por elas das duas formas mais sedutoras para a criança: a ausência do “não”, palavrinha incômoda, porém decisiva para a demarcação dos limites imprescindíveis à socialização; e a reverência irrestrita às vontades das crianças, que só faz ampliar nelas a fantasia de poder ter tudo.

Mídia: uma babá aparentemente dedicada, afetuosa e complacente demais com os desejos infantis.

Um pequeno recorte na trama do filme de Curtis Hanson, A Mão que Balança o Berço, título, aliás, inspirado no citado provérbio, como explicita a fala de um de seus protagonistas, ilustra essa atração dos pequenos por adultos complacentes demais para com os desejos infantis. A trama gira em torno de uma babá aparentemente dedicada e afetuosa que começa a se apropriar das duas crianças de um jovem casal de forma lenta e sedutora. Valendo-se de sua maior disponibilidade de tempo junto aos pequenos, a babá permite à garotinha mais velha – cerca de cinco anos – assistir a um gênero de filme vetado a ela pelos pais, em função de sua pouca idade. Como é de se esperar, a garotinha logo entende a babá como mais amorosa que os pais.

De modo geral, tal cumplicidade com os caprichos infantis está presente em diversos tipos de mídia dirigida às crianças. E a tendência é antecipar-se, cada vez mais, essa interferência na educação delas.

Se não podemos prever o futuro, olhemos o que já acontece, no presente, com tantas crianças que nos rodeiam, no cotidiano ou na prática clínica: natural nos primeiros anos de vida, o narcisismo (amor a si mesmo) e a onipotência (certeza de poder ser e ter tudo) andam durante além do previsto quando, até por volta dos seis anos, deveriam ter se convertido na capacidade de se preocupar com os outros.

O que estará estimulando, então, nas crianças, o prolongamento dessas características? Quem pensou em interesse comercial, acertou no X da questão que envolve hoje a preocupação com os impactos da publicidade e de determinados tipos de entretenimento na formação das crianças. Alheio aos danos que pode trazer ao psiquismo infantil, o objetivo do marketing é implantar o quanto antes na criança a necessidade de consumir. Como diz Susan Linn, doutora em Educação e professora de Psiquiatria da Escola de Medicina de Harvard, em seu livro Crianças do Consumo – A Infância Roubada “quando nos referimos a produtos especificamente projetados para crianças “do berço à universidade” pode ser o máximo que alguém possa almejar, mas muitos fabricantes buscam lealdade à marca que dure do berço ao túmulo”…

Nascidos em berço de ouro ou em cestos pobres de palha, as perspectivas dentro de cada bebê estão intactas nessa fase do broto e não demandam outros cuidados além dos prescritos pela natureza. Os mais caros entre eles são o calor do seio materno, o alimento saudável, as vozes amorosas e a mão protetora que governa seu passo a passo até o contato pleno com a vida real. Nada substitui o amor e os efeitos que só ele pode produzir na construção de um novo indivíduo. Recordando uma vez mais a sabedoria e prudência de Winnicott: “Ainda temos muito que aprender sobre os primeiros tempos de uma criança e talvez só as mães possam dizer o que queremos saber”.

[1] A mídia é, muitas vezes, legitimada ela audiência que os pais lhe presta.


Comentários da nutricionista Mônica de Oliveira Costa

Para fugir da solidão em frente à TV, é importante que os responsáveis proporcionem e PARTICIPEM de atividades mais interessantes, interativas e sociais com as suas crianças.

As horas de lazer e educação das crianças podem ser muito mais ativas:

    • – Jogos com dados, cartas ou de tabuleiro devem sempre estar na estante das brincadeiras.
    • – Recortar, colar, desenhar e criar estórias com os novos personagens criados.
    • – Brincar com tijolos ou peças de montar.
    • – Brincar com sucatas.
    • – Fazer caminhadas para procurar tesouros.
    • – Ler livros e revistas.
    • – Desenhar e colorir.
    • – Brincar de teatro, montando personagens e cenários.
    • – Registrar com fotos e vídeos (se possível) tudo isso para depois compartilhar com amigos e até na escola.
    • – Estimular a participação das crianças no preparo de uma salada, um tempero, bolinhos, sobremesas, diferentes formas de colocar e decorar a mesa.
    • – Brincar de recolher objetos espalhados pela casa ou qualquer outra atividade onde a criança não corra nenhum risco de se machucar.
    • – Músicas podem ser criadas para montar a lista do supermercado, ou quem sabe, para ajudar a lembrar de algum recado.

Essas são algumas sugestões de atividades que não demandam muito espaço físico e desenvolvem a criatividade, as inteligências afetiva e ecológica das crianças de todas as idades.

Os pais devem lembrar que a rotina pode ser muito mais divertida quando consegue um convívio mais próximo e participativo com seus filhos. As conversas fluem, a confiança e respeito mútuos surgem naturalmente e uma grande amizade, pautada na cumplicidade e amor vai se formando.

Esse texto faz parte da Revista Especial Kids de Fevereiro 2010.
Leia também: Crianças Solidárias
Malefícios da TV no cérebro de crianças

* Maria Helena Masquetti é psicológa do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, e assina, no “Le Monde Diplomatique Brasil”, a coluna Consumo & Direitos.

Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte.

7 de outubro de 2019

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