A “neura” das proteínas

Dr. Alberto Gonzalez *

A maioria dos que hesitam em partir para uma alimentação vegetariana afirma que ela é desprovida de proteínas, aquelas substâncias sem as quais não vivemos. Na verdade, as proteínas são os tijolos estruturais de todos os tecidos no plano molecular, além de combustíveis que produzem energia para as células. Estão presentes no RNA e no DNA, e, portanto, são chave na genética. Na forma de proteínas circulantes, dão estrutura ao plasma, e na forma de enzimas – todas as enzimas são proteínas – simplesmente são responsáveis pelo funcionamento de toda a engenharia da vida, desde a respiração, passando pela coagulação sanguínea, imunidade, equilíbrio endócrino, e muitas outras funções. Pode-se afirmar que as proteínas participam em todas as instâncias da vida.

Com tantos atributos, fica óbvio que todos tenham essa “neura”. Afinal, como ter uma dieta que possa suprir a demanda de proteínas de que tanto precisamos? Em nome disso, milhares de animais são sacrificados diariamente, florestas são devastadas em nome da expansão de pastos, milhões de litros de leite são ordenhados e pasteurizados, milhões de ovos são depositados e embalados para o abastecimento das cidades. Segundo o Dr. Márcio Bontempo, cada brasileiro come, ao longo de uma vida, sete vacas, 13 porcos e 1.500 galináceos.

Em muitos lugares no Brasil e no mundo, uma família diz-se pobre e faminta se em sua mesa não estiver presente, diariamente, algo de carne, ovos ou laticínios. Os pais que resolverem nutrir seus filhos sem esses alimentos de origem animal são considerados irresponsáveis ou loucos. Ninguém pode imaginar um atleta de alto rendimento que seja vegetariano. No entanto, uma nutrição altamente protéica pode ser atingida com a alimentação crua e viva.

O primeiro ponto crucial é o não cozimento. Conforme menciono em meu livro ‘Lugar de Médico é na Cozinha’ (editora Alaúde), 50% das proteínas se perdem com o cozimento em altas temperaturas. Daí o alimento cozido já parte em desvantagem. A proteína mastigada é ingerida e requer fluxo copioso de ácido clorídrico, jorrado pela mucosa gástrica e capaz de corroer uma barra de ferro, para “dissolver” os nacos de fibra animal ou as sementes cozidas. Grandes quantidades de pepsina, quimiotripsina e proteases, enzimas responsáveis pela digestão das proteínas, são lançadas na luz do estômago, e seriam capazes de digeri-lo se não existissem mecanismos de proteção. Só então os milhares de aminoácidos, contas de um colar que é a proteína, estarão disponíveis à parede intestinal, para que ocorra sua absorção.

A economia do corpo é perceptível para cada um de nós: o custo dessa forma de digestão é muito alto, gastamos muita energia apenas para digerir os alimentos cozidos. Não se joga ácido clorídrico e enzimas no sistema sem gasto de ATP (trifosfato de adenosina), o bloco fundamental de energia do corpo. A nossa “pilha descarrega” para manter esse tipo de digestão. Não podemos ver esses processos, que foram estudados com afinco pela ciência, mas podemos perceber a queda de energia após um almoço convencional.

Já nas sementes em germinação, a proteína armazenada durante o estado inativo (o colar de contas) é decomposta em seus aminoácidos (as contas). Existem processos enzimáticos dentro da semente que terminam por oferecer esses fundamentais nutrientes na sua forma mais simples, pronta para a absorção, sem qualquer gasto de energia para o corpo.

Os benefícios das sementes germinadas naqueles que sofrem as dores das gastrites e úlceras são impressionantes. Sem as proteínas inteiras para digerir no estômago, a quantidade de ácido clorídrico e proteases, produzidos após uma ceia crua e viva, é ínfima. É a forma mais fisiológica de reduzir a secreção cloridropéptica, prescindindo dela em vez de bloqueá-la.

Segundo conhecimentos adquiridos na Universidade de Brasília, com a professora Gabi, em um inesquecível curso de Nutrição Aplicada, podemos encontrar todos os aminoácidos essenciais nas plantas e nas sementes, desde que saibamos como usá-las. Segundo ela, a nutrição de uma pessoa estaria garantida, pelo menos na parte protéica, com a associação de cereais e leguminosas no mesmo prato. Isso porque os cereais contêm os aminoácidos essenciais que as leguminosas não têm, e vice-versa…

Desde essa valiosa aula, passei a tratar as proteínas de origem animal com mais restrição, fazendo um prato cheio de cereais e leguminosas, e o pedacinho de carne era o que coubesse na palma de minha mão. Mas hoje utilizo em minha dieta pelo menos 14 tipos de cereais e leguminosas germinados. Se me ocorresse comer carne, elevaria meu ácido úrico, pois ofertaria proteínas em excesso. Na mesma palma da mão que cabia um pedacinho de carne, agora um punhado de cereais e um punhado de leguminosas germinadas são capazes de me fornecer todos os aminoácidos essenciais.

O fato é que durante a germinação de uma semente ou grão, ocorre a transformação de aminoácidos não essenciais em aminoácidos essenciais, entre eles o triptofano e a metionina comuns em proteínas de origem animal.

Quais são os cereais e as leguminosas? É fácil e difícil responder. Fácil se formos às plantações para ver as diferenças. Difícil se tentarmos identificá-los nas embalagens dos supermercados. Afinal, todos são grãos. Ao vivo e a cores, fica fácil: a diferença é que os cereais crescem em espigas, e as leguminosas crescem em vagens (bagas). Todos conhecem a espiga de milho; logo, milho é um cereal. Todos conhecem a baga do amendoim; logo, o amendoim é uma leguminosa. Grãos de bico, ervilhas, feijões e soja crescem em bagas. Arroz, trigo, centeio e cevada crescem em espigas. E assim por diante.

Voltando ao tema do sinergismo, não preciso saber quais aminoácidos existem, em que quantidade, dentro de qual grão; basta apenas que em meu prato estejam presentes um cereal e uma leguminosa germinados, e que seja possível uma oferta variada de cada um desses grupos.

O germinado e o broto do trigo são considerados a linha de frente na alimentação crua e viva, por possuírem propriedades nutricionais e medicinais espetaculares. Palavras de Jesus de Nazaré aos novos Irmãos dos Eleitos, conforme o Evangelho Essênio da Paz:

Mas agora vos falarei de coisas misteriosas, pois, em verdade vos digo, a relva humilde é mais do que alimento para o homem e para o animal. Ela esconde sua glória debaixo de um aspecto despretensioso. É o ponto de encontro entre os reinos terreno e celestial.

O germinado e o broto do girassol também são deliciosos. O broto tem um sabor exótico, que lembra de longe o agrião, só que um pouco mais adocicado. É perfeito para decoração de saladas, pode ser incluído em pratos mornos e adicionado ao suco verde que chamo ‘leite da terra’. É também uma verdura orgânica que pode ser cultivada na cozinha. As propriedades medicinais e nutricionais assemelham-se às do broto de trigo. Ê impressionante ver como os brotos de girassol esticam-se em direção à luz e seguem qualquer estímulo luminoso, mudando sua posição na bandeja em questão de minutos. É talvez a planta que mais absorve informações solares, criando substâncias nutritivas únicas. Os incas veneravam o girassol, tendo-o como a própria representação do Deus Sol.

Brotos de feijão moyashi, alfafa, mostarda e outros já são encontráveis em casas especializadas e de produtos orientais. Devem-se adotar os mesmos critérios que o das sementes, na hora da compra. As hortaliças orgânicas surpreendem, pois quase todos nós as temos como pouco calóricas e protéicas, mas não é o caso: o agrião é composto de 50% de proteínas, tendo todos os aminoácidos essenciais. Em proporções também altas encontramos no espinafre, alface roxa, rúcula, bertalha e salsa. Praticamente todas as verduras de folhas escuras têm proteínas, e oferecem-nas em forma balanceada.

* Texto extraído do livro Lugar de médico é na cozinha – Dr. Alberto P. Gonzalez – Editora Alaúde. Reprodução somente após autorização da editora Alaúde ou do autor.

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