Afetividade e Humor

Conceição Trucom 

É incontestável que o afeto desempenha um papel essencial no funcionamento da inteligência. Sem afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação; e consequentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e não haveria inteligência. A afetividade é uma condição necessária na constituição da inteligência, mas, na minha opinião, não é suficiente – Jean Piaget.

A afetividade compreende o estado de ânimo ou humor, as emoções e os sentimentos e reflete sempre a capacidade de experimentar e aprender com todas as suas tonalidades. O humor é uma tonalidade afetiva que acompanha os processos psíquicos, dando colorido à cognição, às percepções, aos conceitos, etc.

O estado psíquico global como a pessoa se apresenta e vive reflete a sua afetividade. Tal estado interfere na realidade percebida por cada um, mais precisamente, na representação que cada pessoa tem do mundo, e de si mesma.

A afetividade é quem desencadeia os impulsos motivadores ou inibidores, percebe os fatos por uma ótica otimista ou pessimista, com entusiasmo ou indiferente e sob carga emocional que pode oscilar entre dois pólos, onde os extremos são a depressão e a euforia.

A afetividade é quem sustenta (nutre) a forma da pessoa se relacionar com a vida e, será através da tonalidade de afeto (ânimo ou humor) que a pessoa perceberá o mundo e a realidade. Direta ou indiretamente a afetividade exerce profunda influência sobre o pensamento e toda a conduta do indivíduo.

Se o que vivenciamos a cada momento está sendo agradável ou não, prazeroso ou não, etc., todos emoções ou sentimentos “significados” pela afetividade.

Será através da nossa capacidade de afeto que o mundo, no qual vivemos, chega até nossa consciência com o significado emocional que tem para nós.

Enquanto o oxigênio, a água e o alimento sutentam a vida, será a afetividade (ânimo ou humor) quem dará sentido à vida.

A afetividade pode ser comparada com as lentes dos óculos, através das quais enxergamos emocionalmente nossa realidade. Através dessas lentes podemos perceber a realidade com mais clareza ou não, com mais dor ou não e assim por diante.

Existem estados afetivos onde a pessoa “enxerga” sua realidade via óculos escuros, ou seja, tudo é percebido como cinza, escuro e nublado. E, existem estados onde a realidade é percebida como se a pessoa estivesse usando óculos cor-de-rosa, onde tudo é mais colorido, exuberante e brilhante. Alguns vêem o mundo por uma lente de aumento, onde as questões tomam dimensões desmesuradamente ampliadas. E para outros, nada os atinge.

Tendo em vista o fato da afetividade (lentes dos óculos) ser diferente para cada pessoa, algumas sofrerão mais que outras diante de um mesmo desafio. Devido a essa subjetividade afetiva, cada pessoa reage à “realidade” de maneira muito pessoal e distinta.

Podemos pensar na afetividade como o tônus energético capaz de impulsionar o indivíduo para a vida, como uma energia psíquica dirigida ao relacionamento do ser com sua vida e o humor necessário para conferir uma determinada valoração às suas experiências. A afetividade colore com matizes variáveis (humores) todo relacionamento do sujeito com o objeto, faz com que os fatos sejam percebidos desta ou daquela maneira e que despertem este ou aquele sentimento.

O que é normal?
Em condições normais, a cada situação da vida, sempre estamos vivendo um “estado afetivo momentâneo” (um estado de humor ou ânimo). Cada pessoa coloca valores às suas vivências, seja a tristeza diante de uma perda ou a alegria por uma linda conquista. Este estado afetivo momentâneo é variável a cada momento da vida de uma mesma pessoa: pela manhã o humor dele estava elevado, e à tarde despencou. Dependendo do dia e da hora, um mesmo fato pode nos provocar diferentes humores (ânimos), reatividades.

Ou seja, é normal, enquanto em processo evolutivo, que o humor oscile entre o afeto deprimido, normal (neutro) ou elevado (eufórico). E a esta oscilação, desde que dentro de limites normais, é chamada afetividade momentânea.

Entretanto, quando estas mudanças de humor são extremas, inesperadas, destrutivas e doentias, como é o caso da depressão prolongada, do mau humor crônico ou do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB – que oscila do profundamente deprimido ao exageradamente eufórico), deixa de ser normal para ser uma patologia ou doença.

Deve ficar claro que a afetividade não pode ser simplesmente submetida à influência da razão ou da vontade, porque ninguém deseja voluntariamente ter um afeto depressivo, como também, dificilmente alguém conseguirá melhorar seu estado afetivo simplesmente porque um amigo lhe deu bons conselhos e palavras de otimismo.

O que é ideal?
Bem, este é o desafio da nossa presença aqui na terra: o equilíbrio, mais que isso, a neutralidade. Diante de uma perda importante, podemos ficar tristes, porém em paz, jamais deprimidos. Diante de uma superação (como a cura de uma doença ou a conquista de um cargo), podemos ficar felizes, mas em paz, jamais eufóricos.

Esse estado ideal é fruto de uma busca espiritual, cuja meta é o despertar ou expansão da consciência. Segundo o budismo é o desapego pelos desejos. É quando reconhecemos que nossa vida é apenas um script para chegar no estado de Ser, de paz, de amor.

Nesse estado é possível, com uma mente relaxada (porém extremamente lúcida), viver a experiência da entrega. Ele será mais frequente e intenso quanto mais buscarmos o estado de alerta, de viver o aqui-e-agora, de meditação.

É óbvio que quando o ponto de partida são as pessoas “normais”, tal conquista é bastante difícil, pois exige muita determinação, comprometimento e coragem. Muita meditação e abstração. Mas, nosso senso de coerência sabe que é POSSÍVEL.

Quando o humor está mais alterado (polarizado) por uma perda significativa ou grande desafio, considero este “o grande momento” de exercitar ações pró-vida, pró-saúde global.

Entretanto, quando existe um quadro patológico, a distância até o “ideal” é maior e torna-se fundamental o uso de muitas ferramentas, ou seja, o tratamento precisa ser multidisciplinar.

Primeiramente, o objetivo é que a pessoa passe a se conhecer melhor e reconheça as dinâmicas dirtorcidas das suas emoções, que levam à depressão e outras doenças do humor. Através desse auto conhecimento o objetivo é que a pessoa passe a se relacionar melhor com a “realidade” e consigo mesma. Neste caso, a afetividade pode ser melhorada e tratada mediante os seguintes procedimentos:

    • – através de práticas psicoterápicas e psicopedagógicas de aperfeiçoamento da personalidade, – alimentação adequada para dar suporte à expansão da afetividade e da consciência,
    • – atividades corporais que estimulem a respiração, a meditação, o relaxamento e os exercícios do riso com estímulos cerebrais. Aqui não é indicado provocar o riso, mas realizar somente os exercícios preparatórios,
      – em caso de patologias de longa duração (ou mesmo genéticas), com a utilização de medicamentos que atuam nos neurotransmissores e nos neuroreceptores cerebrais.

Patologias do Humor
Nos transtornos de afetividade e humor, a alteração psicopatológica encontrada se caracteriza pelo fato de que a pessoa tende, de maneira constante, a se colocar de forma radical e intensa entre dois pólos afetivos.

Pólo expansivo: ocorre uma superficialização dos afetos, o indivíduo está otimista, apresenta ressonância ao prazer, há onipotência, com vivências de vitalidade, sucesso, ganho, etc.

Pólo depressivo: os afetos são profundos, há tendência ao pessimismo, a ressonância afetiva é com o desprazer. Há sentimentos de impotência, insuficiência, menos-valia, as vivências ligam-se aos temas de morte, perda, culpa, insucesso, etc. Os indivíduos se queixam de que viver é um “pesadelo difícil, arrastado e que as horas não passam”.

Estados afetivos doentios
Depressivo (hipotimia): os pacientes se queixam de que tudo está mais difícil e pesado que antes. Diminuição da intensidade dos afetos, do ânimo e, de regra, associada ao retardamento da excitabilidade afetiva, que pode levar a uma incapacidade de sentir prazer (anedonia). Há persistente aumento da duração de certos sentimentos de tonalidade sombria e desagradável. Ocorre nas síndromes depressivas: nos transtornos do humor, nos transtornos mentais orgânicos com sintomas depressivos (hipotireoidismo, tumor de cabeça e de pâncreas), etc.

Eufórico (hipertimia): os pacientes referem que “tudo está mais colorido, leve, fácil e rápido. Têm o ânimo elevado. Apresentam aumento da ressonância ao prazer, otimismo imotivado e se envolvem em atividades de risco. Podem ocorrer irritação , onipotência, delírios de grandeza, etc. Aumento da intensidade e duração dos afetos, apresenta-se associada à aceleração da excitabilidade afetiva, espontânea ou aos estímulos. Ocorre nas síndromes maníacas: no transtorno bipolar, hipertireoidismo, no início de intoxicações exógenas (álcool, anfetaminas, cocaína), etc.

Ansioso: temeridade imotivada, apreensão. Provocado por transtornos de ansiedade, hipertireoidismo, cafeinismo, etc.

Delirante: os pacientes relatam “que há algo de estranho no ar”. Há uma modificação e um aumento do sentimento de significado das coisas. Pode ocorrer no início da esquizofrenia.

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