Conceição Trucom
O fim da era dos antibióticos
Com esse título, o jornalista Sharon Begley publicou uma matéria na revista Newsweek em março de 1994. Nós vivemos a ilusão coletiva de que as modernas drogas da indústria farmacêutica e a “limpeza” dos alimentos que ingerimos, passando por diversos hábitos de vida igualmente estéreis, nos tornam protegidos dos “germes assassinos que nos rondam”. E o que vem acontecendo? Micróbios multirresistentes estão surgindo em taxas alarmantes. Na atualidade, cada bactéria causadora de doença em humanos apresenta resistência a pelo menos um dos cem antibióticos de linha disponíveis. Em alguns casos, existem bactérias que resistem a 99 antibióticos e são sensíveis a apenas um. Se considerarmos um ambiente hospitalar, teremos aí as “bactérias superpoderosas”, resistentes a qualquer tipo de antibiótico, e capazes de promover infecções fulminantes e fatais.
As bactérias podem ser nossas grandes amigas, processando matéria desvitalizada, produzindo nutrientes e mesmo antibióticos que eliminarão outras bactérias causadoras de doenças. Mas a atual escola médica, em âmbito mundial, ainda não enxerga essa visão do terreno biológico, fazendo prevalecer entre os alunos em fase de graduação a mentalidade do “anti” (contra). Praticamos uma Medicina antibiótica, antinflamatória, antiulcerosa, antialérgica, anti-hi-pertensiva, antidiabética, antidepressiva ou antioxidante. Antibiose significa “contra a vida”.
Há um fato histórico que envolve o ilustre pesquisador francês e detentor do prêmio Nobel de Medicina, Dr. Louis Pasteur, e outros microbiologistas franceses, Drs. Antoine Bèchamp e Claude Bernard. Responsável pelo desenvolvimento da “pasteurização” como método de esterilização de alimentos ainda hoje incontestável, o Dr. Pasteur defendia a “teoria do germe” como causa inequívoca das doenças. Já seus opositores defendiam a “teoria do terreno biológico”. Os debates eram acirrados. Em seu leito de morte, envolvido por seus assistentes, Pasteur mudou a posição que sustentara durante toda a sua vida. Com a força que ainda lhe restava, ele sussurrou:
“Claude Bernard estava certo. O micróbio não é nada. O terreno é que é tudo“.
O que estamos fazendo? Procuramos resolver o problema da dengue aplicando pulverizações venenosas “antimosquito da dengue”, que matam marimbondos, gafanhotos, grilos, joaninhas, aranhas, passarinhos, pererecas e sapos. Procuramos resolver o problema da droga invadindo com esquadrões “antidrogas” comunidades de baixa renda, ferindo ou matando donas de casa, crianças, estudantes e trabalhadores.
Estamos vivendo um período difícil em que predomina a falta de percepção da realidade das coisas. Dessa maneira, as medidas tomadas para resolver esse ou aquele problema esbarram na mesma óptica polarizada, bélica, agressiva, que carece de uma visão do todo (holismo). Ninguém nega que vivemos um grande medo coletivo. Medo de bactérias, medo de traficantes, medo de mosquitos. Medo de amar.
Voltemos às bactérias, esses formidáveis seres vivos. Esquecemos do amor que deveríamos nutrir por elas. Voltamo-lhes as costas, assim como fizemos com as favelas, os desmatamentos e a poluição das águas. Enquanto isso, elas se organizaram, se reorganizaram, formaram grupos, colônias, apoiaram-se, comunicaram-se. As bactérias usam uma das mais eficazes formas de “internet biológica”. Se uma bactéria se torna resistente a um tipo de antibiótico no Chile, essa resistência se manifestará em bactérias da mesma espécie na Inglaterra ou no Japão. Elas se comunicam ao redor da Terra, pela troca de genes e mesmo por uma “consciência coletiva”. Todos os sistemas vivos comunicam-se uns com os outros e partilham seus recursos, transpondo seus limites.
Os antibióticos vêm sendo prescritos indiscriminadamente, regra lamentável hoje em dia. Em nome de um distúrbio facilmente curável por medidas práticas (ver tabela a seguir), promovem-se holocaustos de bactérias intestinais benéficas, deixando os intestinos, após um tratamento desses, à mercê de bactérias altamente patogênicas e tóxicas. Um triste exemplo é o do “megacólon tóxico”, infecção grave do intestino grosso causada por Clostridium difficile, após tratamentos antibióticos intensivos, com alta mortalidade.
Os mesmos antibióticos, se prescritos com base em achados consistentes de história clínica, exame físico, imagens e exames de laboratório, são remédios que salvam vidas. Se obtivermos então a cultura e um antíbiograma, e os usarmos na dosagem e duração certas, poderemos definir o curso de uma doença grave para uma cura completa. Os métodos mais avançados e menos invasivos em cirurgia, com uso de imagens e catéteres altamente precisos, não são apenas coadjuvantes, mas muitas vezes substitutos dos antibióticos. As drenagens precoces de abscessos salvam uma vida. Meus professores da residência em cirurgia chamavam essa droga milagrosa de “bisturicilina”.
Devemos procurar manter nosso terreno biológico, que são nossas células, fluidos, tecidos e órgãos, limpo e sadio. Só assim poderemos evitar que nossos hóspedes microscópicos inofensivos sejam substituídos por inimigos mortais. Devemos ter amor pela vida em todas as suas manifestações, e a vida, essa sim a grande mutante, nos retribuirá com saúde e alegria.
Trata-se aqui de alimentar-se de uma forma não inflamatória, não oxidante, não alérgena, alcalinizante, que ofereça os nutrientes necessários a uma plena função mental. É uma forma alimentar que já existiu, mas que se perdeu nos labirintos da história da humanidade.
Algumas doenças inadequadamente tratadas com antibióticos
Doença |
Erro conceitual |
Terapia apropriada |
Diarréia |
A maioria é de origem viral |
Reposição de água e sais com soro caseiro ou água de coco. Probiótica em cápsulas |
Gripes |
Antibióticos não são anti-virais |
Repouso, água de coco (rica em agentes viricidas) e frutas |
Gastrites |
Erradicar o H. pylori com antibióticos e acreditar que dieta em nada interfere |
Reeducação alimentar, limpeza intestinal e alcaliniza-ção do organismo, e não só “do estômago” |
Dermatite Abscessos |
Um exemplo dramático do uso de antibióticos para erradicar uma flora que é natural da pele |
Reeducação alimentar, higiene celular, intestinal e cutânea |
Bronquites
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Alérgicas ou asmáticas têm origem no desequilíbrio das bactérias intestinais
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Reeducação alimentar e respiratória; higiene intestinal |
(*) Algumas viroses têm características mistas, e evoluem para sinusites, faringites,
otites e pneumonia. Assim, deixam de ser virais e tornam-se bacterianas.
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Texto extraído do livro Lugar de Médico é na cozinha – Dr. Alberto Gonzalez – editora Alaúde. Reprodução somente com autorização do autor ou da editora.
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