Aonde vamos com essa mania de proteína?

Dr. Max Otto Bruker *

Quando perguntamos ao paciente no consultório por que ele come carne e outros derivados de origem animal? Geralmente responde: para suprir a necessidade de proteína. Muitos até dizem que não gostam de carne, mas têm medo de prejudicar sua saúde se deixarem de comê-la.

Os médicos costumam afir­mar que uma alimentação sem proteína animal é prejudicial. São principalmente as mulheres que se sentem obrigadas a comer carne mesmo sem gostar.

Para simplificar, usamos neste artigo somente a palavra “carne”. Com esta palavra estamos também nos referindo a todos os seus derivados (salsicha, presunto, salame, etc.) e ao peixe.

O peixe é citado expressamente porque muitas pessoas ficam assombradas quando mencionamos o peixe na relação de produtos animais. Para muitos, peixe não é carne. Entendem como carne apenas os produtos de animais terres­tres. Os frutos do mar (camarão, siri, lula, etc.) também não são considerados carne. Portanto, aqui a palavra carne engloba todos os animais que vivem na terra e na água, bem como todos os seus derivados. Como vamos tratar de proteínas, as gorduras animais ficarão fora.

Continuando a conversa com o paciente, descobrimos ainda outros pontos que mostram o papel que a proteína ani­mal ocupa na imaginação. Além de entender como proteí­na apenas a proteína animal, identifica o ato de comer carne com comer proteína. Para eles, proteína se encontra apenas em alimentos do reino animal.

Se disséssemos ao paciente que ele deveria consumir ape­nas os animais por ele mesmo abatidos, certamente a resposta seria a seguinte: “Se eu tivesse que abater um animal, jamais comeria carne, mas, já que outras pessoas fazem isso por mim, como carne porque do contrário não teria proteína”. Geralmente ouvimos isto de mulheres que fazem as compras e preparam a comida para a família.

Esse medo da falta de proteína – incutido pela antiga ciên­cia da nutrição por quase um século e principalmente nas últi­mas décadas – está até amedrontando muitos vegetarianos. Qualquer conselho alimentar fica difícil por causa deste medo enraizado. Entretanto, este comportamento não é inato ao homem; é produto de desinformação sistemática e ininterrupta.

O vegetariano revela este medo no consumo exagerado de leite, ricota e queijo. Como já dissemos, este comportamento não é fruto de uma necessidade natural, mas resultado de uma doutrinação. Qual é a consequência lógica para o vegeta­riano que acredita nisso?

Se por razões éticas não quer colaborar com a matança de animais, só lhe resta a saída de consumir leite, queijo, ovos – disponíveis sem matar.

Para o carnívoro – convicto de que carne é um alimento forte e que sem carne não poderá alcançar saúde – duvidar desta “lógica”, confirmada a cada consulta médica, é como duvidar de que o sol nasce a leste e se põe a oeste. Um debate sobre um assunto tido como “óbvio” é facilmente encerrado taxando as afirmações de maluquice. Em vez de se informar melhor sobre o assunto, o cidadão comum soluciona o caso consumindo carne e também bastante queijo, pensando: “proteína nunca é demais”.

Esta mania de proteína é particularmente perigosa para os doentes. Diariamente recebo pacientes que reagem à doen­ça consumindo mais proteína animal. Isto justo em doentes que precisam de uma redução drástica no consumo de proteína animal.

Esta tendência é apoiada pelos médicos – que ainda hoje aprendem na faculdade que desistir da carne representa um risco perigoso e irresponsável. Assim, compreendemos que o médico, por força dessa doutrinação, fica preocupadíssimo a cada vegetariano que o procura. Primeiro, ele tenta convencer o vegetariano a comer carne. Como isto não surte efeito num vegetariano convicto – geralmente com conhecimentos mais profundos no campo da alimentação do que o médico – ele tenta o próximo passo: convencer o paciente que sua doença – seja qual for – é o resultado de ele não comer carne. Se esta tentativa também não dá certo, ele procura evitar a desgraça que ameaça o paciente, aconselhando-o a tomar muito leite e a comer muito queijo e ovos.

O preconceito dos médicos é um fator importante para o crescente consumo de proteína animal. Voltamos sempre à questão central: para cobrir sua necessida­de protéica o ser humano precisa de proteína animal? De acor­do com os conhecimentos científicos atuais, esta pergunta deve ser respondida com um categórico NÃO.

As proteínas são constituídas por aminoácidos. As diversas proteínas contém aminoácidos em proporções diferentes. Cada proteína apresen­ta um conjunto de aminoácidos específicos. O aminograma (ver tabela ao final deste artigo) mostra o conteúdo percentual de cada aminoácido. Assim como escrevemos inúmeras palavras, sentenças e livros com as 25 letras do alfabeto, é tam­bém possível construir um sem número de proteínas com os 20 aminoácidos. Por exemplo, a molécula da hemoglobina é forma­da por aproximadamente 600 combinações dos aminoácidos.

Dos 20 aminoácidos, 8 não podem ser produzidos pelo próprio organismo humano. Estes são chamados aminoácidos essen­ciais. As proteínas que existem nos alimentos contêm quantidades variáveis dos diversos aminoácidos. A maioria contém todos os aminoácidos essenciais. Há proteínas que contém todos os aminoácidos essenciais, porém apenas uma pequena quanti­dade de um aminoácido determinado. Por isso, as muitas proteínas têm valor diverso para suprir o corpo humano de aminoácidos.

Se falta um aminoácido, algumas proteínas não podem ser construídas. Vamos fazer uma comparação: faltando a letra Q no alfabeto, a palavra “qualidade” não poderia ser for­mada. Entre as proteínas do organismo existem poucas onde falta um ou mais aminoácidos. Mas, a maioria dos alimentos contém todos eles.

Antigamente, supunha-se que apenas as proteínas ani­mais continham todos os aminoácidos. Entretanto, há muito se sabe que as proteínas vegetais também contém todos os aminoácidos em quantidades diversas. Para citar um exemplo, a proteína dos cereais é relativamente pobre em lisina, enquan­to as hortaliças contêm muita lisina. A comparação dos aminogramas na tabela abaixo esclarece este assunto.

A variedade enorme de aminogramas apresentados pelos alimentos leva a uma conclusão lógica: é preciso ter uma alimen­tação vegetariana bem variada para suprir as necessidades protéicas diárias. O exemplo da lisina mostra que a combinação de grãos e verduras garante uma valiosa cobertura de proteínas.

Estamos vendo que a necessidade protéica do homem pode ser suprida pela alimentação exclusivamente vegetal. Entretanto, ainda não chegamos ao ponto essencial no proble­ma da proteína. Apenas mostramos ser falsa a teoria de que as proteínas vegetais não contêm todos os aminoácidos essen­ciais, mas que precisamos combinar bem os alimentos.

Entretanto, existem diversos outros aspectos a conside­rar. O problema da proteína não é apenas um problema de ami­noácidos. As pesquisas de Kollath trouxeram a contribuição mais importante, e são até hoje, quase desconhecidas.

Pesquisando a alimentação de animais (ratos), com o intuito de demonstrar o efeito das vitaminas, Kollath desco­briu, por acaso, a posição-chave da proteína. Ele constatou que muitos efeitos atribuídos às vitaminas eram, na realidade, efei­tos das proteínas. Nas pesquisas clássicas sobre as vitaminas, era costume usar na dieta animal a caseína (proteína do leite) extraída com álcool a 74° C.

Ocorreu um dia que Kollath não tinha caseína à sua disposi­ção. Por isso usou caseína extraída com éter à baixa temperatura. Em ambos os casos se tratava de caseína pura, mas os resultados da experiência foram completamente diversos. Nos testes ante­riores, utilizando caseína de extraçâo alcoólica, os animais sempre morriam após curto tempo, quando deixavam de receber vitaminas. Porém, os animais alimentados com a caseína de extração com éter permaneciam vivos. Estava acontecendo um apa­rente paradoxo: no primeiro caso, a adição de vitaminas encurta­va a vida dos animais… Mas as vitaminas eram inocentes. As experiências de Kollath estavam mostrando que existe uma dife­rença fundamental entre proteína viva, proteína natural, não aquecida ou transformada por outros agentes e a proteína morta.

Estas experiências confirmam que entre vivo e morto exis­te uma diferença não explicável mediante análise química. Como a caseína extraída com álcool foi aquecida a 74° C e a caseína extraída com éter não foi aquecida, a diferença essencial entre as duas experiências com proteína reside no aquecimento. Se a temperatura do organismo ultrapassa 43° C, o ser humano morre. Do ponto de vista químico não há diferença entre um homem vivo e um homem morto.

Assim, não devemos nos admirar que não seja possível mostrar uma diferença química entre a proteí­na aquecida e a proteína viva. Porém, na experiência biológica é visível a diferença entre a proteína viva (não aquecida) e a proteí­na morta (aquecida). Não parece tempo perdido procurar no laboratório aquilo que diferencia o natural do denaturado, o vivo do morto, o aquecido abaixo de 43° C do aquecido acima disto?

Será por acaso que os animais, em seu habitat, comem ali­mentos crus? Neste sentido não existe diferença entre animais carnívoros e herbívoros. Ambos consomem alimentos crus. O animal selvagem consome a presa crua e na íntegra. O leão ali­mentado com carne cozida morreria em pouco tempo. Ele pre­cisa de todas as partes do animal abatido – em estado natural. Também o coelho morreria se recebesse apenas alimentos cozidos.

Somos gratos a Kollath por suas experiências. Elas permitem explicar as doenças da civilização provocadas pela alimentação. Na origem dessas doenças está a falta de vitaminas e sais minerais e, igualmente importante, a falta de proteína viva. Podemos equiparar as experiências de Kollath com ratos; às doenças da civilização provocadas pela alimentação de valor parcial.

Precisamos mudar o enfoque da questão. Não importa saber se a proteína é de origem animal ou vegetal, mas, se é viva ou morta. Isto significa que, do ponto de vista estritamente ali­mentar, o homem pode se abastecer de proteínas como o animal selvagem. Ele teria de consumir os animais em estado cru e na íntegra. Mas, sabemos que isto não corresponde à natureza humana.

Quanto à proteína, o mesmo princípio vale para os seres que vivem de vegetais: é preciso que sejam crus e integrais. Desta forma, a necessidade de proteína é bem menor do que normalmente indicado. Não há como compensar a desvantagem da pro­teína morta pelo consumo de grandes quantidades de alimento.

O problema da proteína é mais qualitativo do que quantitativo.

No efeito de cura da alimentação crua, a proteína viva cer­tamente desempenha um papel relevante. Na alimentação crua não aparecem danos à saúde, mesmo com relativamente baixo consumo de proteína.

Devemos ainda salientar mais uma incoerência dos re­presentantes da velha doutrina alimentar. Em fisiologia, o estudante de medicina aprende o desenrolar dos processos metabólicos. Os fatos ensinados são quase todos obtidos no reino animal (cobaias). Aprendeu-se que os fatores básicos do proces­so metabólico das proteínas, das gorduras e dos carboidratos são idênticos no homem e no animal.

É comum e lícito deduzir que, neste campo, aquilo que é válido para o animal também é válido para o homem. Os animais herbívoros obtêm sua proteína comendo plantas. Ninguém tem medo ou preocupação de que o animal fique doente por falta de proteínas. Ora, se mencionamos num debate sobre as pro­teínas que os animais herbívoros recebem proteína suficiente pois são fortes e sadios, rapidamente argumentam: “Não se pode comparar o animal com o homem”.

São somente aceitos os fatores que apoiam a ideia de que o homem precisa de carne. Os fatores que provam o contrário são rejeitados. Dois pesos e duas medidas, e isto “na ciência”.

Existe uma série de doenças que exigem abstinência de proteína animal. São principalmente as doenças alérgicas e as doenças do aparelho motor (a artrite e a artrose).

Contudo, a proteína animal torna a criança mais suscetível a infecções.

Como muitos doentes substituem a carne pelo leite e deri­vados, precisamos acrescentar alguns dados “heréticos” sobre o leite.

O homem é um mamífero. Todos os mamíferos amamen­tam os filhotes com o leite de sua própria espécie. O bezerro com leite de vaca, o gatinho com leite de gata, etc. Isto só ocor­re enquanto são bebês. Depois, os filhotes partem para uma ali­mentação igual a do animal adulto. O leite não é substituído por leite de outra espécie. Isto só acontece com o ser humano.

As mães estão convictas de que a criança não se desenvol­ve sem leite de vaca. Mas isso é um preconceito que se baseia na ideia de que a criança necessita de proteína animal e tam­bém porque muitas mães não estão em condições de amamen­tar devido à alimentação errada durante a gestação.

Muitas crianças reagem mal à proteína do leite de vaca: ficam com eczemas, gânglios linfáticos inchados e problemas das vias aéreas superiores. Tirando o leite de vaca, os proble­mas desaparecem.

O leite nos oferece uma indicação simples da porcenta­gem que a natureza considera adequada para o ser humano. O bebê que recebe somente leite materno cresce e duplica seu peso em apenas um ano. O leite materno contém de 2 a 2,5% de proteína. O leite de vaca contém um pouco mais, de 3 a 3,5%. Mesmo durante a fase de crescimento, só precisamos de uma pequena quantidade de proteína. Se nós tivéssemos necessidade de maior quantidade de proteína o leite materno certamen­te a conteria.

O adulto que já parou de crescer, cujo metabolis­mo visa somente à conservação, precisa até de menos proteí­na. Por exemplo, a ricota, que é proteína pura, fornece à alimentação maior percentagem de proteína do que os 2% necessários. Pior ainda se a pessoa come ovos e carne diariamente.

O medo de faltar proteína é totalmente infundado para quem os vegetais crus – em forma de cereais, verduras, raízes e frutas – constituem pelo menos 1/3 de sua alimentação.

Oxalá isto tenha ficado claro, porque a mania de proteína só nos leva a mais doenças!

Teor percentual em aminoácidos essenciais e valor biológico

 

* Texto extraído do livro Doenças do Homem Civilizado – Dr. Max Otto Bruker – editora TAPs.

Dr. Max Otto Bruker (1910 – 2001) foi um médico alemão, corajoso e pacifista, que durante 45 anos atuou como Diretor Clínico em diversos hospitais, promovendo uma medicina natural e ajudando inúmeros doentes através dos livros que o tornaram conhecido. Fundou em Lahnstein, em 1989, a entidade filantrópica GGB, Gesellschaft fur Gesundheitsberatung, que assegura a continuidade de sua obra.

Reprodução permitida desde que solicitada autorização da TAPs 

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