Beatriz Medina *
Bom, a criança vem crescendo e já não pode mais ser chamada de bebê. Pega comida no prato da mãe, sai com a titia, com a vovó, já-já vai para a creche, a escolinha, a casa dos amiguinhos. E aí? Como mantê-la vegetariana num mundo de creófagos?
O meu primeiro conselho é que os pais examinem-se profundamente quanto à sua certeza de que o vegetarianismo é a melhor opção — primeiro para si mesmos, depois para os filhos. Quem se propõe a educar uma criança precisa ter alguma segurança de que está fazendo o melhor para ela. Ainda que depois mude de idéia, na hora de cada decisão é preciso tomá-la com firmeza, principalmente quando se trata de uma decisão tão importante quanto adotar hábitos alimentares diferentes — hábitos estes tão profundamente arraigados na nossa cultura que muita gente se ofende ao ver um vegetariano almoçar…
Digo tudo isso porque nós, vegetarianos, enfrentamos muita oposição quando o filho vai se largando dos nossos braços e entrando no mundo. Esta é a sina de todos os que adotam trajetórias diferentes da maioria, seja na alimentação, na religião, nos hábitos de lazer. E a gente precisa estar preparado e disposto a conviver com isso e a enfrentar as situações mais ou menos desagradáveis que com certeza acontecerão.
E aí? Como manter o filho vegetariano se a vovó, a titia, a babá, a professora, a mãe do coleguinha enfim, se todos acharão um absurdo uma criança cujos pais, cruéis ou desinformados, impedem que coma carne? Afinal, o fantástico/o jornal nacional/o globo repórter mostram um médico/nutricionista/professor que diz que criança TEM de comer carne, senão fica desnutrida, senão sofre danos no cérebro, nos órgãos etc.!
É preciso conversar com as pessoas próximas. É preciso deixar claro para elas como é importante a decisão que tomamos para nós e nossos filhos. Isso não tem receita. Cada um e cada relação que estabelecemos com cada um é diferente. É por isso que precisamos ter segurança da decisão que tomamos, para passar esta segurança aos nossos filhos e às pessoas que se relacionarão com eles. Nem sempre será possível mandar ou conciliar. Na maioria dos casos, teremos de CONVENCER. E para convencer, é necessário estar convencido.
Depois, é preciso conversar com o próprio filho. Quando a criança começa a se relacionar com outras pessoas fora do lar ou mesmo com pessoas dentro do lar que comem de forma diferente dela, vai perguntar por quê. Mais uma razão para termos segurança da opção que fizemos. A criança precisa sentir como é importante para nós sermos vegetarianos. E isso não se consegue com palavras, só com atitudes.
E, se além de não dar carne ao seu filho, você ainda decidir não lhe dar açúcar refinado, balas, chocolates, danoninhos, biscoitinhos, quissucos, cocacolas e outras maravilhas da “alimentação” infantil, prepare-se, que o chumbo vai ser grosso. Eu que o diga.
Algumas dicas práticas
Para uma criança, qualquer criança, vegetariana ou não, é importante que a alimentação cotidiana seja rica e saborosa. Rica significa: variada, com nutrientes de todo tipo. E é importante que a comida das crianças seja suficientemente calórica. Se você usa cereais integrais, leguminosas, legumes, verduras e frutas regularmente, provavelmente será. Enriqueça as saladas dos filhos com bom azeite, castanhas ou nozes picadas, tahine (molho árabe de gergelim, muito rico em gorduras de excelente qualidade e proteínas). Sirva leguminosas variadas – feijões de várias cores, grão de bico, ervilha em grão, lentilha. Prepare os legumes com pouca ou nenhuma água (para lhes preservar o sabor), corte e cozinhe cada dia de um jeito diferente (em tirinhas, em rodelas, estrelinhas, no vapor, refogadinho com cebola ou cebolinha, no forno). Criança gosta de comida colorida e variada.
Faça-lhes também sanduíches com tahine, missô (pasta japonesa de soja fermentada, salgada, saborosa e muito nutritiva), tirinhas de cenoura crua, alface picadinho (grudarão no tahine e provavelmente não farão muita lambança). Prepare petiscos fáceis como bolinhos de arroz (arroz integral – pode misturar um pouco de missô ou sal e cebolinha picada, para dar mais gosto – amassado nas mãos e assado no forno), bolinhas de banana com aveia (facílimas de fazer: amasse bananas maduras, misture bastante aveia, forme bolinhas, leve ao forno em tabuleiro levemente untado), biscoitões de aveia (misture aveia e água em partes iguais, um pouco de sal, deixe descansar uns dez a vinte minutos, despeje numa chapa em fogo baixo, espere assar e soltar – fica crocante, uma delícia).
Eu fazia muito bolo de farinha de arroz: farinha de arroz integral (toste o arroz na frigideira seca até ficar dourado e cheirando bem, deixe esfriar, bata em pequenas quantidades no liquidificador ou use um moedor); coloque a farinha – misturada com sal ou açúcar mascavo, a gosto – numa fôrma com buraco levemente untada com óleo, ponha água até um dedo acima da farinha, deixe a farinha absorver a água toda; tampe a fôrma e asse em banho-maria, no fogão ou no forno. Estando seco e assado, desenforme e sirva.
Tudo isso, com mais uma fruta, serve para o lanche ou a merenda da escola e você pode enfeitar – juntar castanha de caju picada, passas de uva, banana-passa picadinha, pedacinhos de maçã. Use a sua criatividade.
E os almoços, jantares e festas em família? Um conselho: almoce, jante, faça uma boa refeição ANTES de sair de casa. Assim, com menos fome, a criança (e você também) não vai ficar tentada a se empanturrar de coisas que a gente preferiria que ela não comesse.
Outro conselho: se a situação permitir, contribua com alguns pratos – além de você e seu filho terem o que comer, sempre se consegue mostrar aos outros que, sem carne, preparam-se refeições deliciosas.
*Beatriz Medina é praticante fazem quase 30 anos do vegetarianismo. Fonte: Cantinho Vegetariano. Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte.
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