Criando pequenos Vegetarianos

Jaqueline B. Ramos *

Sou vegetariano convicto e acabei de ter um filho. O que fazer em relação à sua alimentação? Uma criança pode adotar uma dieta sem carne sem comprometer seu desenvolvimento? Meu filho sofrerá algum tipo de discriminação pelos amiguinhos pelo fato de ser vegetariano?

Noventa e nove por cento das preocupações de pais vegetarianos são sanadas com a boa notícia de que a dieta vegetariana é sim adequada para crianças. A afirmação de que a falta de carne compromete o crescimento é um mito, de acordo com a própria comunidade científica.

Em 2009, a American Dietetic Association publicou oficialmente que “a dieta vegetariana adequadamente planejada, incluindo a dieta vegana, é saudável, nutricionalmente adequada, e pode trazer benefícios na prevenção e tratamento de certas doenças. É adequada para todos os indivíduos em todos os ciclos da vida, incluindo a gestação, lactação, infância, adolescência e para atletas”.

“Estudos de crianças com dietas vegetarianas adequadas mostram que na adolescência estas crianças são mais altas, têm menor tendência ao excesso de peso e menos risco de doenças cardíacas e de diabetes tipo 2”, explica o Dr. Orlei Ribeiro de Araújo, médico pediatra responsável pela enfermaria de pediatria do Hospital Cruz Azul, em São Paulo/SP. No entanto, é muito importante buscar orientação profissional para a elaboração e acompanhamento da dieta. “O desafio é encontrar profissionais que não torçam o nariz ao vegetarianismo, mesmo sabendo que estão defasados. Hoje existe muito material de qualidade disponível na internet e recomendo a leitura frequente para a compreensão do que é uma alimentação vegetariana adequada.”

Crianças são como esponjinhas que sugam o nosso exemplo.
Se os pais estiverem convictos e se sentirem felizes por terem
escolhido o vegetarianismo, crianças se sentirão bem.
Ana Paula Pacifico Homem, nulricionista, especialista em nutrição malerno-infantil.

Calorias e suplementação

A orientação de um nutricionista ou nutrólogo esclarece muitas dúvidas e dá mais segurança para os pais na hora de elaborar a dieta sem carne para os pequenos. Uma das principais questões a que os pais devem ficar atentos é que ser vegetariano não significa comer somente “folhas”. “Deve-se ter clara a ideia de que verduras e legumes fazem parte da dieta, mas não são a base. Isso é muito importante para crianças pequenas, que se receberem muitas verduras e legumes e menos cereais e feijões terão baixa caloria ingerida, e isso compromete o crescimento”, alerta o Dr. Eric Slywitch, médico nutrólogo especializado em alimentação sem carne.

Em relação as proteínas, não existe dificuldade na digestão daquelas de origem vegetal, apenas a variedade de aminoácidos é menor nesses alimentos. O que faz necessária a combinação inteligente de várias fontes para se obter todos. Segundo o Dr. Eric, equilibrando os grupos alimentares, os nutrientes costumam ficar bem ajustados.

Nutricionista especialista em nutrição matemo-infantil que atende crianças e adolescentes vegetarianos em consultório particular e ambulatório institucional em Belo Horizonte.,Ana Paula Pacifico Homem esclarece que a falta de proteínas é um dos maiores mitos que rondam a dieta vegetariana. Ela reitera que uma alimentação vegetariana adequada, com cereais integrais, leguminosas variadas e sementes oleaginosas, fornece quantidade mais do que suficiente do nutriente.

“Os pais não podem esquecer que a consistência da alimentação e a forma de preparo precisam ser adaptadas à idade da criança. No caso de bebês, os feijões e as frutas devem ser muito bem amassados e os sucos coados. Os cereais integrais precisam ser bem cozidos e peneirados, para reduzir o teor de fibras na fase inicial de introdução de alimentos. Uma semente de amêndoa, por exemplo, pode ser introduzida na forma de farinha, com uma fruta”, afirma Ana Paula. O desmame é o período mais vulnerável para a criança vegetariana e a introdução de alimentos deve ser idealmente acompanhada por um profissional com experiência em dietas vegetarianas.

Segundo a nutricionista, é fundamental garantir as fontes alimentares de ferro, cálcio e zinco (folhas verdes escuras, feijões, sementes oleaginosas) e “gorduras boas” (abacate, coco e óleo de oliva). “Outro nutriente muito importante é o ômega-3, um tipo de lipídeo essencial para o cérebro em crescimento da criança.

Dr. Eric Slywitch ressalta que é importante ficar atento ao consumo excessivo de fibras, que pode gerar uma maior saciedade na criança e, consequentemente, levar à ingestão de menos alimentos. “Mas com um bom acompanhamento de um profissional da área, não há razão para ter medo da alimentação vegetariana. Só é necessário muita paciência para aguentar o desespero de alguns familiares”, brinca o nutrólogo.

Em relação à suplementação de vitamina B12, ela é indicada para todas as crianças vegetarianas. As demais suplementações são aquelas comuns a todas as crianças pequenas – vitaminas A e D e ferro – e qualquer necessidade extra deve ser avaliada individualmente, de acordo com o tipo de vegetarianismo adotado, a ingestão alimentar habitual e as condições clínicas da criança. “Vale ressaltar que os suplementos nutricionais devem ser prescritos por um profissional da área de nutrição com conhecimento e experiência no atendimento de crianças e adolescentes vegetarianos”, frisa Ana Paula.

Papinha sem carne

Alguns exemplos de pequenos vegetarianos demonstram que a alimentação sem carne pode realmente ser encarada de forma muito natural pela criança, não lhe trazendo nenhum desconforto. “Eu sempre fui vegetariano e explico para os meus amigos que desde que era pequeno já não gostava de comer carne. Quando minha avó me dava papinha com carne, eu cuspia tudo. Também falo para eles pensarem muito bem nos animais”, diz Pedro Schuwenck, de 9 anos, quando questionado sobre o que explica para seus amigos quando lhe perguntam por que não come carne.

Pedro, sua mãe, a publicitária Paula, e seus avós maternos, todos vegetarianos, lançaram em maio desse ano o blog Vegetariano come o quê?, cujo objetivo é apresentar receitas que respondam justamente a este pergunta. O diferencial é que as receitas são apresentadas em vídeos e pela família. Vegana há oito anos, ela optou pelo vegetarianismo na gravidez. E conta que Pedro se mostrou vegetariano desde que começou a comer as papinhas. “Ele sempre rejeitou papinhas com carne. Quando substituía por uma de vegetais, ele comia tudo. Procurei um médico nutrólogo especializado em dieta vegetariana que nos orienta até hoje”, conta Paula, ressaltando que Pedro sempre teve crescimento acima da média e nunca existiu problema com os amiguinhos. “Pelo contrário, ele tem muitos amigos e quando eles vêm à nossa casa, adoram comer nossos bolos e lanches veganos.”

A Linhaça – essa pequena semente é fonte rica de ômega-3, um tipo de lipídeo essencial que ajuda no desenvolvimento cerebral. Sua principal fonte no reino vegetal a semente de linhaça. Ana Paula Pacífico Homem, nutricionista especialista em nutrição materno-infantil.

Como Pedro acabou fazendo sua escolha bem cedo, Paula nunca teve dificuldade para montar sua alimentação. E como principal dica para pais que pretendem criar pequenos vegetarianos, ela diz que o segredo é introduzir a variedade dos vegetais na alimentação das crianças. “Quanto mais elas conhecerem os sabores e a infinidade de opções que têm para comer e sentir prazer, se deliciar; mais fácil será que elas gostem e se orgulhem de serem vegetarianas. Além disso, sempre conversar sobre os direitos dos animais e como é importante para o planeta ser vegetariano.”

Com a bióloga paulistana Fúlvia Zephilho e sua filha, Letícia, de 2 anos e meio, a experiência é muito parecida. Letícia é ovo-lacto vegetariana desde o ventre, e para garantir a boa nutrição da filha, Fúlvia consulta um nutricionista vegetariano. A bióloga acredita que quando os pais têm hábitos alimentares saudáveis, os filhos passam a adquirir estes hábitos naturalmente. E dá as dicas. Para os bebês, o legal é cozinhar legumes e verduras variando sempre e oferecê-los amassadinhos, e não tudo batido em forma de sopa. Com as crianças maiores, leve-as para cozinhar com você. Ela vai gostar de ajudar e de comer o que preparou.

Apesar de hoje as pessoas estarem mais informadas sobre o que é o vegetarianismo, Fúlvia diz que a maior dificuldade ainda é a crítica de que estaria privando a filha dos “prazeres da vida”. Para amenizar isso Fúlvia criou, em 2009. o blog Maternas Vegetarianas, cujo objetivo é justamente trocar ideias, informações e difundir o vegetarianismo e outros assuntos correlatos entre “mães vegetarianas que acreditam em um mundo melhor não somente no nosso bem-estar mas no de nossos filhos, dos animais, da humanidade e do planeta”.

“Acredito que as crianças são mais receptivas ao vegetarianismo que alguns adultos. Costumo dizer que se você colocar uma criança com fome em uma sala onde está um pintinho e uma pêra, o que você acha que ela vai fazer? comer o pintinho e brincar com a pêra ou comer a pêra e brincar com o pintinho? A resposta já nos diz que, em essência, somos vegetarianos”, conclui Fúlvia.

Exemplo, exemplo e EXEMPLO

É preciso reforçar uma das máximas mais efetivas quando o assunto é educação, inclusive a alimentar: a criança aprende muito mais pelo exemplo do que pelas palavras.

Ou seja, o hábito em casa de uma alimentação vegetariana saudável será o maior espelho da criança. “É importante que os pais agrupem-se com outros que seguem a mesma filosofia, para que seus filhos, em algum momento, se encontrem com seus pares e vejam que há outras pessoas que fazem o mesmo. Além disso, é imprescindível que os pais comam o que desejam que os filhos comam, dando exemplo e oferecendo o alimento de diferentes formas e em diferentes momentos”, afirma a psicóloga Teresa ferreira da Unifesp.

10 Mandamentos da Alimentação dos Pequenos

1) Procure um nutricionista ou nutrólogo especializado em vegetarianismo paia orientar a dieta de sua(s) criança(s).

2) Nunca substitua o aleitamento materno por fórmulas especializadas por misturas de cereais.

3) Fórmulas infantis à base de soja são a única opção para lactentes veganos não amamentados no seio. Obs.: Nós do Doce Limão discordamos e sugerimos sempre os leites de sementes, e os sucos verdes.

4) Fórmulas de soja não são adequadas para prematuros, pois há o risco de fragilização dos ossos mesmo com suplemento de cálcio. Prematuros, infelizmente, estão fora do veganismo.

5) A vitamina B12 deve ser suplementada sempre.

6) No caso de crianças veganas deve-se ficar bem atento às fontes de cálcio, que devem ser intensificadas.

7) Crianças em geral, deve-se ter atenção ao ferro, pois sua deficiência é muito comum. Suplementação é necessária a partir do quarto mês de vida.

8) Os pais devem ter uma alimentação equilibrada, pois eles serão o maior exemplo para as crianças.

9) Apresente toda a variedade de vegetais para as crianças, pois é a melhor forma delas pegarem gosto, se acostumarem à dieta sem carne.

10) Converse sobre os motivos do vegetarianismo e esclareça as questões colocadas pelas crianças com serenidade e tranquilidade.

* Texto extraído da Revistas Vegetarianos – Novembro 2010.

Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autora e a fonte www.docelimao.com.br

Leia também: O que eu coloco no lugar da carne?

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