Entre o Limite e a Liberdade

Thiago Borges de Aguiar *

Uma conversa sobre o papel dos limites e da autoridade na educação das crianças.

Há um ano escrevi o texto introdutório desta coluna, justificando seu título, Conversa, e apresentando seu tema principal, Educação.

Convidei você a “entrar num espaço sem limites, formas e cores pré-estabelecidos”. Talvez você não saiba, mas todos os nossos encontros nesta coluna estão ligados, de algum modo, à minha experiência educativa de professor e de estudante da educação. Prefiro a palavra “estudante” à palavra “estudioso” porque quem estuda deve sempre manter uma postura de humildade perante o saber.

Ninguém está separado de sua experiência, não importa quão “inexperiente” seja. E se nós não somos donos da verdade, só chegamos perto dela se formos honestos com nossa vida, sendo coerentes entre aquilo que falamos e fazemos. É por isso que, um dia desses, fui questionado a respeito da incoerência entre defender a liberdade e educar fazendo uso da autoridade e do limite.

Estas palavras são utilizadas, atualmente, como alternativa à crise de valores que a contemporaneidade vive, só que num tom de regressão e nostalgia: “No meu tempo, isso não acontecia… antigamente, era diferente, as crianças respeitavam mais, eram mais obedientes”. Nas escolas e nas casas, encontramos pais e professores perdidos perante um mundo de crianças que esqueceram quem são e se tornaram os donos do mundo. O que elas precisam é o mesmo que “Sambalelê precisava”?

Alguns pesquisadores afirmam que vivemos uma crise na educação, marcada pelo questionamento da autoridade. E, se concordarmos com a psicanálise, sem autoridade não há mudança e sem mudança não há aprendizagem. Vivemos o “fim da infância”, como afirmam outros pensadores contemporâneos, marcados pela presença de um socializador mais eficiente que os pais: a mídia. Com a ausência dos pais e da autoridade, não há limites e as crianças acham que podem tudo.

A perigosa fronteira

Tomemos cuidado com a afirmação de que atualmente vivemos uma crise de valores e de autoridade, como se esta fosse uma “conquista” do mundo contemporâneo do pós-guerra. O conflito entre o prazer e a ética sempre foi a base da vida humana na Terra. É claro que as mídias impressa, televisiva e informática possuem na sociedade contemporânea um papel de destaque. Mas eu defendo que nós pensemos a respeito do mundo atual no qual vivemos, sem apelar para um pensamento milenarista e egocêntrico que considera nossos problemas atuais como novos, gigantescos e catastróficos.

Se hoje vivemos uma crise de valores, não significa que estamos vivendo num momento especial da Humanidade, com crianças especiais “azuis” ou a entrada num novo mundo. A água que agora cai do céu já esteve antes na terra. Somos sempre as mesmas pessoas, vivendo os mesmos confitos e nos renovando a cada ciclo.

Vivendo no limite

Os limites são parte de nossa vida na Terra. Nosso corpo nos limita. Alcançamos determinada altura, movimentamos os objetos com duas mãos que possuem cinco dedos (sendo um polegar opositor), vemos com um par de olhos etc. e isso condiciona nossa interação com o mundo. No entanto, é justamente pelo fato de possuirmos limites que nós os superamos. Mudar é superar limites e, nesse processo, aprender. Como podemos superá-los se não os temos?

Se atendemos a todos os pedidos das crianças, elas ficam sem os parâmetros para reconhecer seus limites e ir além deles. Se as impedimos de tomar decisões, elas deixam de reconhecer que é possível ir além. “Entre a cruz e a espada”, sem sabermos o que  fazer, agimos como crianças e gritamos. Mostramos nossa incoerência, nossos erros e nossas falhas. E ensinamos às crianças a melhor lição que temos a ensinar: errar é parte da vida, pois erramos tentando acertar. Nossos educandos, em casa ou na escola, um dia crescerão, serão adultos, responsáveis pela educação de outras pessoas e tentarão fazer melhor do que nós fizemos. E assim caminha a humanidade.

O maior limite que impomos às crianças é o nosso próprio medo de errar amando. E a maior liberdade que podemos oferecer à elas é a nossa coragem de amar errando. Aí sim, elas  reconhecem  em nós  a  autoridade. Nós possuímos a autoridade quando somos os autores de nossa vida.

Limite não é impedimento, é um parâmetro para superação. Autoridade não é imposição, é um lugar para o respeito. Respeitar não é obediência, é o reconhecimento da honra. Honrar não é ir à guerra, é dedicar sua vida à humildade e ir além de nossos próprios limites.

Sou um educador que trabalha com limites e autoridade. Cometo erros, falho, mostro minha incoerência na tentativa de acertar, amando. Leio e escuto muitos “especialistas” em educação, com todas as suas “receitas” para educar bem. Tento, como dizem no jargão pedagógico, juntar a prática com a teoria em busca de uma nova prática. No fnal, sigo o que diz o meu coração. Sem medo de ser feliz, honrando meus próprios limites e respeitando aqueles que representam para mim a autoridade. Se uma gota de água quer subir ao céu, ela precisa aceitar o sol e, com a ajuda dele, se transformar.

Por: Thiago Borges de Aguiar é pedagogo e pesquisador espírita – [email protected]

* Fonte: Thiago Borges de Aguiar é colunista da Revista Universo Espírita – Ciência, Filosofia e Religião – edição 4.

Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte www.docelimao.com.br

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