Ana Maria Gonçalves*
Quando o meu último homem chegar
Vai me encontrar alerta
Armada de mil argumentos
Disposta a não mais amar
Porta semi-aberta
Mas com placa de ‘Não Perturbar’
Vai fazer uma reverência lenta
Respeitando as dores do meu coração
Mas vai ignorar o aviso
E usando como chave um sorriso
Invadir meu jardim
E fechar por dentro o portão.
Vai espreitar pela janela
Uma leve batida para não me assustar
Vai sentar-se à varanda
E perder-se a me olhar.
Vai fazer-se de velho amigo
Embaralhar suas memórias, como se fossem comigo
Aceitar um café e oferecer-se para ir buscar.
Quando meu último homem chegar
Aquecendo a vida entre os dedos
Perguntando porquê antes de nós
Passaram-se tantos dias assim
Vai roubar para ele meus segredos
E entregar os dele pra mim.
Vamos falar primeiro das flores,
Da época de poda do roseiral
Dos espinhos, passaremos às dores
E entre impossíveis e risíveis amores
Ele vai me contar das afrontas
Das mulheres que se diziam prontas
Mas que a vida tratou de medrar.
Vai me falar em especial sobre uma delas
Aqueles casos que não têm porquê acabar
Talvez só para eu ficar sabendo
Que o coração que agora me cabe
Já foi capaz de muito amar.
Vai respeitar meu silêncio enquanto penso
No que ela pode ser melhor que eu
E antes que eu me desmereça
Vai pousar um olhar no meu medo
Pintar nos meus olhos um futuro distante
Fazer-se meu, até perder de vista
Até fazer sumir do foco
Todos os que já vieram antes, pois :
– Em cada amor, meu amor, as coisas são diferentes.
E em meio a ervas daninhas
Vai arrancar lágrimas que eram só minhas
Mas que ele promete nunca mais deixar brotar.
Quando meu último homem chegar
Vai me embalar nas suas histórias
Vai puxar pra perto minha cadeira
E feita criado-mudo na cabeceira
Me dar seus sonhos pra eu guardar.
Vai trazer no bolso uma flor
Dessas do campo, que se dá sem ninguém cuidar
Emaranhá-la nos meus cachos
Chegar perto para um cheiro
E inundar-me os ouvidos com seus achos
Dizer – Porque sim, isto de amor
Acho que não tem que explicar.
Antes que meu último homem me beije
Fará das palavras dedos longos
A percorrer-me os contornos
Eriçar-me os entornos
Pedindo para eu nada dizer.
Quando este homem tomar-me as mãos entre as suas
Eu vou esquecer o cansaço
De ter estado a lhe procurar
E por todos os outros que beijei
Por todos os prazeres que lhes dei
Só vou me sentir agradecida
Por nada terem feito
A não ser me preparar.
Meu último homem terá assim um olhar
Daqueles que eu não consigo desviar
Rirá de mim, por mim, comigo, de si
Encherá meu mundo de um riso sem motivo
Estas coisas bobas de tão boas
Que fica só entre os amantes
E ninguém tem coragem de contar.
Esse meu último homem
Trará velas e incensos
E perguntará que disco eu tenho, pra combinar
Encherá o ar de suspiros amiúde
Dançará comigo, instigando meu querer urgente
Deixando o corpo afastado e rente
A brincar com meu desejo
No anti-clímax de me entregar.
E só então vai me dar um beijo
Lento, longo, possesso, posseiro
E daí pra frente eu não responderei por mim
Só lembrarei dele fazendo um carinho
Apertando o biquinho
Colocando a mão pra esquentar.
Meu último homem,
Não me dará direito a frescores
Manterá em brasa meus pudores
Vai me enlouquecer, fazer pedir, gritar.
Quando este homem me despir
Contemplará minhas imperfeições
Achando as coisas mais lindas de se olhar
Brincará com meu corpo nu
Mandará buscar nos meus sonhos infantis
As fábulas, os contos, os encantos
E todos os sonhos a que faço jus.
O que este homem quer de mim
É a fêmea,
Menina faceira
Cabocla trigueira
Gueixa submissa
Dama da corte
Puta
Voyeur
Dançarina única do harém.
E o que eu mais quero nele
É em mim, o que ele quer também:
Eu sempre junto dele, como sua última mulher.
Amém.
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