Gabriel Chalita *
O ser humano é um animal que ri. Pode parecer uma afirmativa leviana, mas o riso, a alegria, e suas manifestações, fazem diferença para que o homem seja quem é. Pesquisadores, antropólogos e escritores já analisaram essa característica e concluíram que os homens melhoram quando riem. Henri Bergson, por exemplo, escreveu como tese de doutoramento “O riso – ensaio sobre a significação do cômico”.
Há muitos autores que insistem na tese de que não é possível ao ser humano desenvolver as suas potencialidades sem leveza. Aristóteles, no Liceu, já falava sobre a importância do lazer, do entretenimento para auxiliar o aluno a encontrar o verdadeiro significado da educação, qual seja, a felicidade.
Um professor aberto, leve, divertido facilita o processo de aprendizagem. Isso não significa que deva utilizar o aluno como objeto de gracejos vulgares para fazer a classe rir. O bom humor não é sinônimo de indelicadeza nem de grosseria. A atitude do professor deve ser a atitude de quem acolhe e espera ser acolhido; de quem semeia e acredita no plantio e na colheita; de quem partilha e conhece o poder da generosidade.
O tratamento que aluno e professor merecem é o tratamento de respeito, de cumplicidade. Isso amplia os horizontes das relações e faz com que os professores sejam de fato referenciais para os seus alunos. Se assim não fosse, o aluno poderia aprender com o que está disponível na rede. A internet transformou-se em uma porta aberta para o mundo da informação. Entretanto, não tem o poder de alimentar os sonhos que Sócrates sonhava em sua maiêutica. A parturição das idéias requer um mestre disponível. Partícipe e cúmplice. Instigador e apoiador. Amigo, enfim.
A criança imita atitudes, no processo de construção de sua identidade. Desenvolve habilidades e competências com base no que percebe em casa, inicialmente, e na escola, depois. Os bloqueios também começam a aparecer, muitas vezes por causa de atitudes quase sempre irrefletidas dos pais e dos educadores: apatia, indiferença, impaciência, intolerância, incompaixão. E talvez não haja nada que intimide mais uma criança do que a apatia. Quando diz alguma coisa e não encontra reação alguma. Quando espera e não recebe. Quando joga sozinha em um universo solitário de abandono. Isso é tão grave quanto uma palavra ríspida dita sem contexto apenas para agredir ou para se ver livre de um intruso que faz perguntas sistematicamente. É desastrosa para o proces so educativo de uma criança a atitude dos pais ou dos professores que inibem as perguntas. Os filhos ou os alunos não devem ter medo dos pais ou dos professores. O respeito é bem-vindo; o medo não. O medo paralisa. O respeito educa.
A atitude correta de pais e professores é a proteção. Não a proteção que engole, que apequena, que aprisiona. Mas a proteção que acolhe, que cuida, que prepara para o desenvolvimento da autonomia e do sonho. A criança tem de ser incentivada a sonhar e a realizar desde sempre.
Aí está o papel do bom humor. É amenizar o coração. E assim permitir que as pessoas tenham atitudes igualmente amenas. O sorriso no rosto reflete e até condiciona o estado de espírito. O professor que sorri certamente terá mais inclinação para fazer comentários positivos sobre as diferenças de cultura, ideologia, classe social, gênero etc.
A literatura está cheia de exemplos de bom humor. Mário Quintana é um deles. Em pequenas doses de poesia, alimenta o que ele mesmo chama de “gosto de estrelas na boca…” – que metáfora fascinante. É esse gosto que faz com que o professor se realimente para partilhar o que sabe e o que está aberto a aprender. Lygia Fagundes Telles, no conto Eu era mudo e só, tem um trecho divertido do personagem Manuel, que se sente oprimido pelo casamento: “Ou a mulher fica aquele tipo de amigona e etc. e tal ou fica de fora. Se fica de fora, com a famosa sabedoria da serpente misturada à inocência da pomba, dentro de um tempo mínimo conseguirá indispor a gente de tal modo com os amigos que quando menos se espera estaremos distantes deles as vinte mil léguas submarinas. No outro caso, se ficar a tal que seria nosso amigo se fosse homem, acabará gostando tanto dos nossos amigos, mas tanto, que logo escolherá o melhor para se deitar. Quer dizer, ou vai nos trair ou chatear. Ou as duas coisas…”
Toda pessoa pode ser assertiva sem ser amarga. Toda pessoa é capaz de docilidade e de ternura. Basta desfazer as rugas da testa. Suavizar o rosto para suavizar a alma. Porque o que sentimos repercute na forma com que tratamos o outro. E, sem dúvida, a atitude do professor é essencial para o resultado do aprendizado.
Há muitas informações que vão sendo oferecidas aos alunos e, aos poucos, descartadas. Isso faz parte do desenvolvimento cognitivo. Ninguém é capaz de memorizar tudo o que aprendeu desde sempre. Datas são esquecidas, nomes, lugares. Conteúdos específicos, se não utilizados, ficam armazenados em algum lugar, e não representam mais significado. Mas há algo que não sai jamais da memória: o gesto amigo, o acolhimento e o sorriso no rosto.
Palavras óbvias mas nem sempre usadas podem ajudar a construir um clima ameno em uma sala de aula: “bom-dia”, “parabéns”, “belo trabalho”, “como foi o final de semana”, “essa matéria é muito legal, vocês vão ver”, “que pena, acabou a aula, amanhã a gente continua”, etc.
O professor que traz na fronte e nos gestos o bom humor, acolhe com mais facilidades os seus alunos. E quem nesse mundo não gosta de ser acolhido?!
* Gabriel Chalita é professor e escritor.
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