O eixo intestino-cérebro: Como os micróbios afetam o humor, a mente e muito mais

Por Rob Knight e Brendan Buhler *

Como as criaturas que habitam o nosso corpo definem hábitos, moldam a personalidade e influenciam a saúde!

Uma coisa é saber que os micróbios de nossos intestinos se intrometem em nosso bem-estar ou na aparência de nossa cintura. Mas a mente, o humor, o comportamento – essas coisas que nos fazem ser quem somos – são elementos humanos e invioláveis, certo? Talvez não.

Pode parecer maluquice, mas há evidências crescentes de que o nosso conjunto de micróbios se mete no que vamos ser e em como vamos nos sentir. Como será que os micróbios moldam o nosso comportamento? Tudo indica que em vez de mecanismos de menos, existem mecanismos de mais a serem contemplados.

Este é o primeiro de uma série de artigos que iremos publicar sobre estas conexões
que ficarão 
fazendo parte de AULAS EXTRAS dos Cursos online sobre As PANC
(porque estas plantas têm ‘segredos’ e muito a nos oferecer)
e Novo Modelo da Digestão Humana
(porque é fundamental saber mais sobre fermentados)… 

De seu trono em nossos intestinos, os micróbios não apenas influenciam a digestão de alimentos, a absorção de remédios e a produção de hormônios, mas também podem interagir com o sistema imunológico e afetar o nosso cérebro.

Para você ter noção do quanto estamos intimamente ligados com eles, os números apontam que há em torno de 100 trilhões de micro-organismos com mais de mil espécies formando nosso intestino. Isso equivale a 90% das células que formam esse órgão sendo compostas por bactérias. Estima-se também que somente na boca haja pelo menos 800 espécies. Escreveu CAMILA REHBEIN na Gazeta do Povo em 14.03.2106.

As várias interações entre micróbios e cérebro são denominadas “eixo cérebro-intestino” (1-2), e compreendê-las pode ter implicações profundas em nosso entendimento dos distúrbios psicológicos e do sistema nervoso.

Por exemplo, sabe-se agora que a depressão envolve uma reação inflamatória, e muitas bactérias benéficas nos intestinos produzem ácidos graxos de cadeia curta, como o ácido butanoico, que auxilia a alimentação das células das paredes intestinais, reduzindo inflamações.

Recentemente, o microbioma foi associado à depressão em seres humanos, com a descoberta de que a bactéria Oscillibacter produz um elemento químico que age como tranquilizante natural, imitando a ação do neurotransmissor GABA (ácido gama-aminobutírico), que acalma a atividade nervosa do cérebro e pode levar à depressão (3).

A capacidade dos micróbios do solo, tais como o Mycobacterium vaccae,
de regular o sistema imunológico humano
é conhecida há muito tempo, e levou alguns pesquisadores,
principalmente Graham Rook, da Universidade de Londres, a sugerir que talvez
fosse possível usá-la para uma vacina contra o estresse e a depressão (4).

Pitaco Conceição Trucom: não seria bem mais rápido e
fácil implementarmos o hábito de mexer com a terra?

Plantar, cuidar, colher, transformar esta colheita em SUPER-ALIMENTOS?

Ele propôs que não ter muito contato com nossos “velhos amigos” – micróbios da terra, aos quais os seres humanos sempre estiveram expostos ao longo da história da humanidade, mas dos quais se isolaram ao ir morar na limpeza – poderia explicar o rápido aumento da frequência de doenças envolvendo inflamação, como diabetes, diarreias crônicas, artrite e até depressão.

Além do mais, com toda a sua influência na química de nosso organismo, os micróbios talvez consigam moldar a nossa mente à medida que nos desenvolvemos. O autismo é um caso especialmente curioso. Muitas pesquisas relataram que as crianças com transtornos do espectro autista têm microbioma intestinal diferente das crianças neuro típicas (muitas vezes, irmãos) (5).

No entanto, como o autismo com frequência é associado a transtornos intestinais, como a diarreia, que por si só alteram o microbioma, fica difícil dizer se as diferenças se devem ao autismo ou à diarreia… Ou aos dois!

Sarkis Mazmanian, um verdadeiro visionário e membro da Fundação MacArthur, que ministra microbiologia no Instituto de Tecnologia da Califórnia (mais conhecido como Caltech), criou, em camundongos, um tratamento extraordinário para sintomas semelhantes ao autismo baseado no microbioma. Talvez alguém pergunte: mas onde ele encontrou uma oferta de camundongos autistas? Mazmanian os cria… Filhotes que apresentam um conjunto de sintomas que lembram o autismo de seres humanos. Eles apresentam deficiências cognitivas e deficiências sociais – preferem ficar sozinhos a ficar com outros camundongos. Apresentam comportamento repetitivo, enterrando obsessivamente bolinhas de gude, e têm problemas gastrointestinais.

Mazmanian descobriu que alguns desses sintomas parecem se dever a uma molécula chamada 4-SPE (substância polimérica extracelular), que é produzida em excesso pelo microbioma alterado. Injetar 4-SPE em filhotinhos de camundongos recria sintomas de autismo. E oferecer-lhes uma mostra probiótica de Bacteroides fragilis reverte alguns desses sintomas, inclusive os gastrointestinais e as deficiências cognitivas (6).

Antes, porém, que alguém vá correndo até uma loja atrás de B. fragilis, é preciso lembrar que algumas cepas de bactérias benéficas a uma espécie podem ser letais para outras. Até que sejam concluídos os experimentos em humanos, é prematuro – e até perigoso – ingerir qualquer probiótico para resolver o autismo. Dito isto, a ideia de que podemos isolar os elementos químicos responsáveis por um sintoma específico – mesmo envolvendo o cérebro – e depois identificar a bactéria que produz ou que elimina essa química é muito excitante.

Nossos passageiros microscópicos também conseguem influenciar o que fazemos ou como pensamos. Às vezes os nossos genes determinam quais bactérias nos habitam, e depois essas bactérias se viram e influenciam como nos comportamos. Isso está muito bem demonstrado nos camundongos sem um gene chamado TLR5 (receptores toll-like), que faz com que comam em excesso e consequentemente fiquem obesos. Conseguimos comprovar que são os micróbios que fazem isso em dois experimentos separados. Em um, transferimos os micróbios dos camundongos sem TLR5 para camundongos geneticamente normais, que então comem em excesso e ficam gordos.

Na outra pesquisa, usamos antibióticos para limpar os micróbios dos camundongos sem TLR5 e observamos o apetite deles voltar ao normal. É surpreendente imaginar que um beliscão genético consiga criar micróbios intestinais que afetam o comportamento, e que esse comportamento possa ser transferido para outro estômago, alterando o comportamento do antes normal hospedeiro (7).

No entanto, o apetite não é o único comportamento
que os micróbios influenciam.

A ansiedade é outro.

Permutar os micróbios entre duas linhagens geneticamente distintas de camundongos também troca o seu desempenho em testes de ansiedade. Camundongos menos ansiosos que recebem os micróbios de camundongos mais ansiosos ficam mais ansiosos e, analogamente, os micróbios de camundongos menos ansiosos podem acalmar os mais ansiosos (8).

Sven Pettersson, microbiologista do Instituto Karolinska, na Suécia, criou uma maneira elegante de testar essa reação. ELE observou uma ansiedade maior em camundongos sem germes – nascidos em uma bolha, sem nenhum micróbio próprio – do que em camundongos normais. No entanto, se ele transferisse as bactérias normais para os camundongos logo no início, pouco tempo depois de nascerem, eles cresceriam e se comportariam da mesma maneira que os camundongos normais. No entanto, se fossem colonizados apenas algumas semanas depois, eles apresentariam comportamento ansioso, como os camundongos sem germes.

Assim, observamos que, pelo menos em camundongos, os micróbios agem
na primeira infância, alterando o comportamento irreversivelmente (9).

 

Também já foi demonstrado que probióticos específicos alteram o comportamento, tanto em camundongos quanto em seres humanos. Existem agora mais de quinhentas pesquisas relacionando os probióticos ao comportamento, sobretudo ansiedade e depressão. Por exemplo, o probiótico Lactobacillus helveticus consegue diminuir a ansiedade em camundongos (10), e o Lactobacillus reuteri consegue reduzir a probabilidade de o camundongo vir a desenvolver infecções quando estressado (11).

Em camundongos, foi relatado que o Lactobacillus rhamnosus GG reduz os comportamentos obsessivos-compulsivos, como enterrar bolinhas de gude (12) e, como já mencionamos na parte sobre o autismo, cepas do probiótico Bacteroides fragilis conseguem tratar alguns traços de autismo em camundongos, inclusive deficiências cognitivas e comportamentos repetitivos (13).

É muito bom curar camundongos, mas, em algum momento, queremos conseguir melhorar os seres humanos também, que é o objetivo das ciências biomédicas. Ensaios clínicos de certos probióticos foram bem-sucedidos: os exemplos incluem os probióticos VSL#3 e LCR35, comercialmente disponíveis para síndrome do intestino irritável (14-15) e o Bifidobacterium infantis natren, para a doença celíaca na infância (16).

A síndrome do intestino irritável (SII) e a doença celíaca são frequentemente
associadas com quadros depressivos, sendo que algumas pesquisas relatam
que cerca de 40% dos pacientes celíacos também sofrem de depressão,
o que sugere também conexões intestinais-cerebrais.

Há ainda um caso do uso de probióticos para aliviar a síndrome da fadiga crônica (17). Foi relatado que um coquetel de Lactobacillus helveticus e Bifidobacterium longum melhorou o humor de voluntários saudáveis (18).

Embora esta pesquisa ainda se encontre em seus estágios iniciais, as evidências de efeitos psicológicos decorrentes do microbioma alterado, mesmo em seres humanos, parecem promissoras. É comum a experiência pessoal de que mudando a alimentação, mudamos o humor. Como mudar a alimentação também altera os micróbios, é bem possível que alguns desses efeitos tenham um componente microbiano.

Se os micróbios conseguem mudar a nossa saúde e a nossa mente, a pergunta seguinte é:

Podemos nos aperfeiçoar mudando os nossos micróbios?

 

(*) Capítulo 4 (página 65-71) do livro A vida secreta dos micróbios – editora Alaúde.
Recomendo muitíssimo esta leitura…

Rob Knight é médico e professor de pediatria e diretor da Microbiome Initiative da Universidade da Califórnia, San Diego. É cofundador do Projeto do Microbioma da Terra e do American Gut.
Brendan Buhler é um premiado escritor da área de ciências, que já teve trabalhos publicados no Los Angeles Times, California e Sierra Magazine. A sua matéria sobre o trabalho de Rob Knight foi selecionada para a edição de 2012 do The Best American Science and Nature Writing [Os melhores textos sobre ciência e natureza dos Estados Unidos].

NOTAS

1. P. Bercik, “The Microbiota-Gut-Brain Axis: Learning from Intestinal Bacteria?”, Gut 60, n. 3 (março 2011): 288-89.

2. J. F. Cryan e S. M. O’Mahony, “The Microbiome-Gut-Brain Axis: From Bowel to Behavior”, Neurogastroenterologyand Motility: The Official Journal of the European Gastrointestinal Motility Society 23, n. 3 (março 2011): 187-92.

3. A. Naseribafrouei et al., “Correlation Between the Human Fecal Microbiota and Depression”, Neurogastroenterologyand MOlility: The Official Journal of the European Gastrointestinal Motility Society 26, n. 8 (agosto 2014): 1155-62.

4. G. A. Rook, C. L. Raison e C. A. Lowry, “Microbiota, Immunoregulatory Old Friends and Psychiatric Disorders”, Advances in Experimental Medicine and Biology 817 (2014): 319-56.

5. D. W. Kangetal., “Reduced Incidence of Prevoteüa and Other Fermenters in Intestinal Microflora of Autistic Children”, PLoS One 8, n. 7 (2013): e68322.

6. Hsiao et al., “Microbiota Modulate Behavioral and Physiological Abnormalities Associated with Neurodevelopmental Disorders”.

7. Vijay-Kumar et al., “Metabolic Syndrome and Altered Gut Microbiota in Mice Lacking Toll-like Receptor 5”.

8. P. Bercik et al., “The Intestinal Microbiota Affect Central Levels ofBrain-Derived Neurotropic Factor and Behavior in Mice”, Gastroenterology 141, n. 2 (agosto 2011): 599-609,609 e1-3.

9. R. Diaz Heijtz et ai., “Normal Gut Microbiota Modulates Brain Development and Behavior”, Proceedings ofthe National Academy ofSciences ofthe United States of America 108, n. 7 (15/02/2011): 3047-52.

10. C. L. Ohland et aI., “Effects of Lactobacillus helveticus on Murine Behavior Are Dependent on Diet and Genotype and Correlate with Alterations in the Gut Microbiome”, Psychoneuroendocrinology 38 (2013): 1738-47.

11. A. R. Mackos et aI., “Probiotic Lactobacillus reuteri Attenuates the Stressor-Enhanced Sensitivity of Citrobacter rodentium. Infection”, Infection and Immunity 81, n. 9 (setembro 2013): 3253-63.

12. P. A. Kantak, D. N. Bobrow e J. G. Nyby, “Obsessivo-Compulsive-like Behaviors in House Mice Are Attenuated bya Probiotic (Lactobacillus rhamnosus GG)”, Behavioural Pharmacology 25, n. 1 (fevereiro 2014): 71-79.

13. Hsiao et al., “Microbiota Modulate Behavioral and Physiological Abnormalities Associated with Neurodevelopmental Disorders”.

14. S. Guandalini et ai., “VSL#3 Improves Symptoms in Children with Irritable Bowel Syndrome: A Multicenter, Randomized, Placebo-Controlled, Double-Blind, Crossover Study”, Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition 51, n. 1 (julho 2010): 24-30.

15. M. Dapoigny et ai., “Efficacy and Safety Profile of LCR35 Complete Freeze Dried Culture in Irritable Bowel Syndrome: A Randomized, Double-Blind Study”, World Journal of Gastroenterology 18, n. 17 (7 de maio de 2012): 2067-75.

16. E. Smecuol et al., “Exploratory, Randomized, Double-Blind, Placebo-Control1ed Study on the Effects of Bifidobacterium infantis Natren Life Start Strain Super Strain in Active Celiac Disease”, Journal of Clinical Gastroenterology 47, n. 2 (fevereiro 2013): 139-47.

17. M. Frémont et al., “High-Throughput 16S rRNA Gene Sequencing Reveals Alterations of Intestinal Microbiota in Myalgic Encephalomyelitis/Chronic Fatigue Syndrome Patients”, Anaerobe 22 (agosto 2013): 50-56.

18. M. Messaoudi et al., “Beneficial Psychological Effects of a Probiotic Formulation (Lactobacillus helveticus R0052 and Bifidobacterium longum R0175) in Healthy Human
Volunteers”, Gut Microbes i, n. 4 (julho/agosto 2011): 256-61.

11 de outubro de 2019

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