O que significa saúde?

Hildegard B. Richter *

Este artigo da ex-diretora da TAPS, foi publicado no primeiro número da Revista ComTAPS, em 1990 e, após mais de 20 anos, a situação da medicina continua a mesma ou até piorou. 

Gostaria de abordar três problemas que aparecem quando procuramos contribuir para a saúde de comunidades carentes, através de educação e comunicação.

O primeiro grande problema é a confusão entre os conceitos de saúde e de doença. Felizmente, muitas pessoas já reconhecem que a saúde não depende de médicos e hospitais, mas depende, sim, do meio ambiente e do estilo de vida, em sentido bem amplo. A ênfase em serviços cada vez mais sofisticados precisa mudar para as medidas preventivas que estão ao alcance de todos. Na defesa da saúde toda a comunidade, as igrejas e as organizações governamentais e não-governamentais precisam buscar novos valores e novas prioridades.

O segundo grande problema é a supervalorização da medicina moderna: tanto os profissionais da saúde quanto a população estão tão fascinados com a assistência e os medicamen­tos oferecidos pela indústria da doença que consideram as atividades simples – realizadas na comunidade – um recurso de baixa quali­dade e provisório enquanto não existem meios suficientes para obter a medicina de “alta” qualidade oferecida aos ricos.

Quando oferecemos treinamento e informação sobre cuidados básicos de saúde a militantes da periferia de São Paulo ouvimos: “Não precisamos disso! Temos direito ao mesmo atendimento que recebem os ricos”. Mas, onde existe essa medicina de “alta qualidade” para os ricos? Vale realmente a pena reivindicar acesso à assistência médico-hospitalar sustentada pelos interesses da indústria da doença? Em todos os países ricos estamos acompanhando a perda de credibilidade da política médica. Em países ricos como a Suíça, a Austria, os EUA estão se formando agentes de saúde para orientar a população na preservação da saúde, justamente para escapar daquela assistência que a nossa população está reivindicando.

Ouvimos dizer que “o Brasil é um grande hos­pital” mas poucos sabem que a Alemanha é outro grande hospital, com doenças degenerativas gravíssimas provocadas por má alimentação, pelo meio ambiente tóxico, pelo estresse. As doenças da civilização estão atingindo faixas etárias cada vez mais jovens enquanto os mais velhos estão lutando pelo direito de morrer com dignidade, sem toda a tecnologia utilizada para prolongar a doença.

Na realidade, as doenças da pobreza (como as doenças transmissíveis, a desnutrição, a diarreia, as verminoses) são muito mais fáceis de controlar do que as doenças da riqueza, da civilização (como tumores malignos, as doenças cardiovasculares, os vários tipos de esclerose). Mas temos, no Brasil, o triste privilégio de ver a população sofrer as doenças da pobreza e da riqueza ao mesmo tempo. Com angústia crescente assistimos à desinformação generalizada quanto às causas dessas doenças da riqueza.

Nós temos em nosso imenso país a possibilidade de evitar a evolução que ocorre nos países ricos: a industrialização dos alimentos, a poluição do meio ambiente e o estresse. No entanto, todos querem seguir o exemplo das pessoas e dos países ricos porque acreditam em sua saúde apa­rente.

A própria medicina está se tornando o terceiro grande problema, ao oferecer um verdadeiro campo de batalha entre defensores obstinados da medicina acadêmica alopática e defensores fanáticos de diversos outros ramos da medicina. Cada um considera a sua prática da medicina a única verdadeira salvação.

Visão acadêmica da medicina

Na realidade, os defensores de todos os ramos da medicina deveriam trabalhar em conjunto em benefício da saúde. Só o trabalho conjunto – multidisciplinar – e o respeito mútuo vão permitir a divulgação da infor­mação imparcial tão importante para todo cidadão. Uma medicina não exclui a outra, pelo contrário: muitas vezes, só sua combinação – a que cha­mamos de medicina integral – traz o sucesso desejado.

Todos os ramos da medicina deveriam atuar integrados

A medicina alopática, indispensável para os casos agudos e emergências com risco de vida, procura aliviar os sintomas e, em casos graves, ajuda o organismo em sua luta pela sobrevivência. Os efeitos são rápidos, mas muitas vezes acompa­nhados de complicações e efeitos colaterais.

Os diversos ramos da medicina biológica pro­curam combater a própria doença, fortalecendo o organismo da pessoa e sua força vital. Os efeitos são lentos mas não provocam danos colaterais.

Como exemplo, temos o combate à AIDS. Enquanto a medicina alopática está tentando desesperadamente atingir o vírus e tratar as infec­ções oportunistas, os outros sistemas terapêuticos procuram fortalecer as defesas do próprio orga­nismo e o espírito da pessoa assim diagnosticada. Enquanto a medicina alopática considera a doença incurável diversas terapias alternativas têm tido sucesso comprovado, divulgando em revistas de renome científico.

A razão de existir tanta desinformação e tanta mentira é porque a saúde (melhor dizendo, a doença) se tornou um negócio arquimilionário. Sob forte influência das indústrias farmacêutica e alimentícia – e com enorme esforço publicitário de todos os lados – está cres­endo, dia-a-dia, a corrupção na medicina. Pesqui­sas são manipuladas e médicos são pressionados a adotar tratamentos que não funcionam.

Com tantas notícias desencontradas e tanta informação contraditória, o leigo fica inseguro e acaba aceitando aquilo que lhe colocam pela frente. Essa manipulação da população não se restringe a uma população com pouca escolaridade. As pressões são violentas. Aqueles que publicam dados honestos que não interessam às indústrias da doença são perseguidos como o autor dos “Versos satânicos”. Em todas as línguas existem livros famosos denunciando esta manipulação. Devido às ameaças contra os tradutores, dificilmente são traduzidos de uma língua para outra.

Quando falamos de saúde e comunicação, a “opção preferencial pelos pobres” parece inútil enquanto os pobres procurarem imitar os ricos e os ricos continuarem desinformados e manipula­dos. Cada um de nós, rico ou pobre, precisa acordar para a realidade e tomar consciência de que saúde não significa ter acesso à medicina sofisticada, mas escapar da medicalização generalizada. Sig­nifica assumir a responsabilidade pela preservação da vida, inclusive da natureza e planeta.

(*) Hildegard B. Richter (1925-2007), diretora-presidente da TAPS (Associação Brasileira de Tecnologia Alternativa na Promoção da Saúde) e membro da Comissão Médica Cristã do Conselho Mundial de Igrejas, especializou-se em alimentação e educação para a saúde na GGB, Gesellschaft fuer Gesundheitsberatung, em Lahnstein, Alemanha. Seu legado continua com a Martha Orttinger .

Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte www.docelimao.com.br

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