O tamanho das porções: quando parar?

Jill Fullertin-Smith *

Algumas crianças simplesmente não sabem a hora de parar. A afirmação pode ser mais verdadeira do que você imagina, pelo menos no que diz respeito aos alimentos.

Entretanto, não podemos dizer o mesmo dos bebês, que parecem ter uma noção interna de “controle das porções”: eles sabem quando estão satisfeitos. Porém, com o crescimento, muitos parecem perder essa capacidade. No mundo moderno, onde temos acesso praticamente ilimitado a alimentos doces e gordurosos, o resultado é uma epidemia de obesidade infantil.

Um problema crescente

Cerca de um quinto (20%) de todas as crianças em idade escolar na Grã-Bretanha está acima do peso. Nos Estados Unidos, a proporção sobe para um terço (33%). Estes índices praticamente triplicaram nos últimos vinte anos. Crianças acima do peso tendem mais a se tomar adultos acima do peso e, portanto, apresentam um risco significativamente maior de desenvolver diabetes, câncer e doenças cardiovasculares.

Infelizmente, as crianças que estão acima do peso também têm mais chances de sofrer abusos e intimidação. Aproximadamente uma em cada vinte crianças é considerada clinicamente obesa pela definição do índice de massa corporal (IMC), um índice que tem por base a altura e o peso da pessoa.

Diversos fatores contribuem para a obesidade infantil. Por exemplo, as crianças estão mais propensas a ficar acima do peso se tiverem:

– sido mal nutridas durante a gestação;
– se vierem de famílias de baixa renda;
– se os pais fumarem;
– se sofrerem de depressão e;
– se tomarem determinados medicamentos como esteróides.

Obviamente, a causa definitiva da obesidade – tanto em adultos quanto em crianças – é o consumo de um número de calorias maior do que o organismo precisa. A prática regular de atividade física e a ingestão de menos calorias são as únicas formas eficazes de evitar e reduzir o excesso de peso corporal.

O que faz algumas crianças ingerirem mais calorias do que necessitam? A genética influencia cerca de 5% de todos os casos de obesidade. Em outras palavras, uma em cada vinte crianças obesas nasceu com a incapacidade de sentir quando chegou a hora de parar de comer. Se este problema for identificado desde cedo, médicos e nutricionistas podem intervir e ajudar a administrar o problema. Todas as outras pessoas parecem ter nascido com a capacidade de saber quando é a hora de parar.

Os bebês que são amamentados ao peito ilustram perfeitamente nossa noção natural de “saciedade”. Eles tendem a parar de sugar quando estão satisfeitos (muitos sinalizam tal satisfação via soneca) – e as mães normalmente ficam aliviadas quando isso acontece. Muitos pais que alimentam seus bebês com mamadeira, por outro lado, costumam estimulá-los a beber todo o seu conteúdo, independentemente da saciedade dos filhos. Resultado: os bebês que não são amamentados no peito materno têm mais probabilidade de se tornarem crianças obesas, talvez por terem aprendido a ignorar os sinais que lhes dizem quando parar.

Nossos sinais internos de apetite não se restringem à quantidade de alimentos que consumimos. Um experimento realizado com bebês alimentados com mamadeira mostrou que, às vezes, eles conseguem sentir quando já ingeriram calorias suficientes. Os pesquisadores do experimento variaram o conteúdo calórico do leite dos bebês e, surpreendentemente, descobriram que a quantidade de leite que os bebês tomavam variava de acordo com os valores calóricos: quanto mais calorias, menos eles bebiam.

Diversos pesquisadores investigaram a noção, em crianças e em jovens, de quando parar de comer. Alguns estudos sugerem que as crianças ouvem os sinais de apetite do próprio organismo até mais ou menos os três anos de idade, enquanto outros sugerem que, desde os dois anos, as crianças já perdem o contato com esta importante habilidade. Em todos os casos, descobriu-se que as crianças comiam menos quando se serviam – em outras palavras, quando decidiam qual o tamanho ideal da sua porção.

Os alimentos e a televisão

Um dos fatores envolvidos no problema crescente da obesidade, o hábito de assistir televisão, parece ser um dos mais importantes. Um estudo britânico, realizado pelo Dr. Russell Viner, do University College, em Londres, e publicado em 2005. monitorou os padrões que envolviam o ato de assistir televisão em quase 11 mil pessoas desde o seu nascimento, em 1970. Uma descoberta surpreendente foi que o risco de obesidade na vida adulta aumentava 7% para cada hora adicional passada diante da televisão no fim de semana aos cinco anos de idade. E, quanto mais televisão as pessoas, quando crianças, assistiam, mais sedentárias se tomavam quando adultas.

A associação entre assistir televisão e obesidade infantil não foi confirmada. Alguns estudos revelaram que tal associação simplesmente não existe. Mas existem três ótimas razões para acreditarmos que assistir televisão pode influenciar sim na obesidade infantil.

Em primeiro lugar, para assistir muita televisão, a criança tem que ficar muito tempo sentada ou deitada: um estudo feito pela Harvard School of Health em 2006 encontrou uma nítida associação entre o tempo passado diante da televisão e os níveis de exercício. Os pesquisadores usaram pedômetros para medir o número de passos dados por dia por habitantes de Boston, Massachusetts. Descobriram que, para cada hora diante da televisão, os participantes do estudo deram em média 144 menos passos/dia. O tempo médio que as pessoas passavam diante da televisão era de 3,6 horas, uma diferença potencial de quinhentos passos/dia. Cada passo requer o consumo de um número significativo de calorias – sobretudo durante períodos de tempo mais extensos. A pesquisa envolveu apenas adultos, mas a descoberta – de que quanto mais tempo você passa diante da televisão, menos calorias você queima – obviamente também se aplica às crianças.

A segunda forma de prever que assistir televisão pode aumentar a obesidade é por meio da propaganda. Uma grande proporção dos comerciais veiculados durante os programas infantis anuncia biscoitos, chocolates e outros alimentos processados, bem como lanchonetes de fast food. Na Suécia, desde 1991, proibiram todos os comerciais de televisão voltados para crianças de menos de 12 anos. E, na Grã-Bretanha, várias organizações importantes estão pressionando as autoridades pela proibição dos comerciais de junk food voltados para crianças. Em 2006, o Ofcom, órgão independente regulador da indústria de comunicação, publicou um documento propondo restrições ao anúncio de alimentos e bebidas “com alto conteúdo de gordura, açúcar e sal”. Os anunciantes britânicos já reduziram o número destes anúncios, mas compreensivelmente adotam uma posição de cautela em relação a uma proibição: é justo presumir que a propaganda afeta os hábitos alimentares das crianças – caso contrário, não existiria ou já teria desaparecido.

Em terceiro lugar, a televisão é uma distração. Tendemos a ignorar os sinais de saciedade quando comemos diante da TV – muito mais do que se estivéssemos comendo com o aparelho desligado. É fácil beliscar, mesmo que bem devagar, enquanto assistimos a um filme, um desenho ou novela favorita.

Os testes científicos

Realizamos alguns experimentos por conta própria para investigar até que ponto as crianças respeitam os sinais de apetite. Primeiro, queríamos saber se poderíamos levá-las a comer mais, simplesmente aumentando o tamanho das porções. Depois, tentamos descobrir se o ato de assistir televisão realmente fazia as crianças ignorarem os sinais de saciedade do próprio organismo.

Porção grande x porção pequena

Para o nosso primeiro experimento, fomos ao acampamento de verão de uma escola americana, situado na Inglaterra, para observar se as crianças ignorariam a sensação de saciedade e simplesmente continuariam comendo. Oferecemos um almoço para um grupo de crianças famintas de 5-6 anos. Ao todo, eram oito crianças. Tivemos o cuidado de manter tudo igual nos dois dias – exceto o tamanho das porções.

Durante a manhã, as crianças ficavam ocupadas o tempo todo. Praticavam uma série de atividades físicas que as deixariam muito famintas. No primeiro dia, pedimos ao pessoal da cantina para preparar e servir porções “normais” de espaguete à bolonhesa – pesadas e com as calorias adequadas para crianças daquela faixa etária. Trabalhamos junto com a nutricionista Tanya Carr, que nos aconselhou quanto ao tamanho das porções e informou que as crianças deveriam obter um terço de suas calorias diárias no almoço.

No segundo dia, o pessoal da cantina ofereceu a mesma refeição às crianças, mas as porções tinham o dobro do tamanho e das calorias. Em ambos os dias, monitoramos a quantidade de comida deixada no prato.

Como era de se esperar, no segundo dia várias crianças praticamente limparam o prato e duas comeram tudo. De um modo geral, as crianças deste experimento comeram 73% mais espaguete à bolonhesa que no segundo dia. Todas as crianças também comeram sobremesa, que consistia em biscoitos e frutas frescas.

A comida como forma de distração

O segundo experimento foi realizado em 2 noites, em uma casa de família. Nossa cobaia foi Rosie, uma menina de 11 anos. Em uma noite oferecemos um prato com fatias de pizza, sua comida preferida. É importante observar que ela tinha que se servir da quantidade deseja. Cada uma das pizzas que preparamos tinha 696 quilocalorias. Cortamos cada pizza em nove fatias e tiramos a casca de todas elas, para que cada fatia ficasse com aproximadamente 75 quilocalorias.

Na primeira noite, Rosie se sentou com a mãe à mesa do jantar, com a televisão ligada. Enquanto assistia televisão, comeu 13 pedaços. Na segunda noite, apresentamos exatamente a mesma comida a Rosie, mas a televisão estava desligada. Desta vez, ela comeu apenas dez fatias.

Sendo assim, Rosie comeu mais 3 fatias quando estava com a televisão ligada. Isso corresponde a um terço de uma pizza, ou 225 quilocalorias a mais do que comeu quando estava assistindo televisão. Não é uma quantidade enorme de comida mas, ao longo de um ano, corresponde a cerca de 120 pizzas!

Nossos experimentos não foram, de forma alguma, rigorosos. O tamanho do apetite das crianças dependeria de quanto elas comeram antes do experimento e da quantidade de exercício que haviam praticado. Mas ecoam o que estudos mais completos já haviam descoberto: que é fácil as crianças ignorarem os sinais de apetite e comerem mais do que precisam.

DICAS – Controlando o tamanho das porções

O tamanho da porção é definido pelo hábito: nós nos acostumamos a comer porções cada vez maiores, mas sentindo a mesma sensação de saciedade. Com o aumento do tamanho das porções, as crianças ficaram condicionadas a ingerir mais calorias do que de fato precisam.

Reduza o tamanho das porções – se seu filho reclamar, sugira que ele coma primeiro o que está no prato; depois, se ainda estiver com fome, poderá repetir. Dê um intervalo entre a primeira e a segunda porção, assim ele pode acabar desistindo de repetir.

As crianças não precisam da mesma quantidade de comida que os adultos. Pense duas vezes antes de fazer e prato de seus filhos – as porções que colocar no prato dele devem ser menores do que as suas. Evite as porções gigantes. Procure alternativas mais saudáveis.

Leia também: Obesidade Infantil 

* Texto extraído do livro A verdade sobre a comida – Jill Fullerton-Smith – editora Intrínseca.

Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte www.docelimao.com.br

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