Conceição Trucom
Venho por meio desta apresentar oficialmente meu pedido de demissão da categoria dos adultos.
Quero de volta uma vida simples e sem complicações.
Resolvi que quero voltar a ter as responsabilidades e os sonhos de uma criança, pura, espontânea… sem pensar ou acreditar nas maldades do mundo.
Quero acreditar que o mundo é justo, e que todas as pessoas são honestas e boas.
Quero acreditar que tudo é possível.
Quero que as complexidades da vida passem despercebidas por mim, e quero ficar encantada com as pequenas maravilhas deste mundo.
Estou cansada de dias cheios de papéis inúteis, computador, notícias deprimentes, contas, fofocas, doenças, e a necessidade de atribuir um valor monetário a tudo que existe.
Não quero mais ter que inventar jeitos para ganhar dinheiro para pagar por coisas que verdadeiramente não necessito. Inventar palavras como desnecessidades…
Não quero mais dizer adeus a pessoas queridas e, com elas, a uma parte da minha vida. Elas ficam, a partir de agora, eternamente vivas no meu mundo da imaginação.
Quero deitar a cabeça em meu travesseiro todas as noites, chamar ao Deus Todo-Poderoso de “Papai do Céu” e apagar cinco segundos depois.
Quero ter a certeza de que Ele está mesmo no céu, e que durante o sono nos encontramos e conversamos ‘um monte’.
Quero ir tomar suco de laranja na padaria da esquina, e achar bem melhor do que um restaurante cinco estrelas.
Quero viajar ao redor do mundo no barquinho de papel. Navegar numa poça deixada pela chuva. A mesma chuva que me molhou inteira porque ‘amei’ continuar brincando na rua.
Quero jogar pedrinhas na água e ter tempo para olhar as ondas que elas formam.
Quero andar me equilibrando nos paralelepípedos como se fosse a grande equilibrista do circo.
Quero achar que as moedas de chocolate são melhores do que as de verdade, porque posso comê-las e ficar com a cara toda lambuzada.
Quero levar duas horas comendo o meu chocolate preferido, torcendo para que ele nunca acabe.
Quero ficar feliz quando amadurece a primeira manga, ou quando tenho que colher todas as goiabas no pé para fazer doce na panela de barro.
Quero poder passar as tardes de verão à sombra de uma árvore, construindo castelos no ar e dividindo-os com meus amigos.
Quero voltar a achar que picolés são as melhores coisas da vida.
Quero que as maiores competições em que eu tenha de entrar sejam um “pique-pega”, um jogo de cartas, dominó ou fazer túneis na areia da praia…
Eu quero voltar ao tempo em que tudo o que eu sabia era o nome das cores, dos números de 1 a 10, das cantigas de roda, e recitar a “batatinha quando nasce”… e isso não me incomodava nadinha, porque eu não tinha a menor ideia de quantas coisas eu ainda não sabia…
Voltar ao tempo em que se é feliz, simplesmente porque se vive na bendita ignorância da existência de coisas que podem nos preocupar, causar medo e aborrecer.
Eu quero acreditar no poder dos sorrisos, dos abraços, dos agrados, das palavras gentis, da verdade, da justiça, da paz, dos sonhos, da imaginação, dos castelos no ar e na areia. E mais: quero estar convencida de que tudo isso vale muito mais do que o dinheiro!
Por isso, tomem aqui as chaves do carro, a lista do supermercado, as receitas do médico, o talão de cheques, os cartões de crédito, o contracheque, os crachás, o pacotão de contas a pagar, a declaração de renda, a declaração de bens, as senhas do meu computador e das contas no banco, e resolvam as coisas do jeito que quiserem. A partir de hoje, isso é com vocês, porque eu estou me demitindo da vida de adulto.
Agora, se você quiser discutir a questão, vai ter de me pegar, porque…
PIQUE! O PEGADOR ESTÁ COM VOCÊ! e, para sair do pegador, só tem um jeito: demita-se você também dessa sua vida chata de adulto, e venha brincar comigo. Vamos andar na chuva sem medo de se molhar ou de ficar resfriado.
SEM MEDO DE SER FELIZ!
Aqui estão alguns dos nossos mais profundos, sinceros e ocultos desejos.
A simplicidade do universo de uma criança faz muita falta em nossos dias, em nossos corações.
A ambição e o egoísmo acabam sempre se tornando maiores. Nesse estado, julgamos, criticamos e atacamos. Sofremos.
Na pureza de uma criança somos como O SOL que irradia luz e alegria para todos, indiscriminadamente.
Por isso, de vez em quando, demita-se!
Ou melhor, viva como se estivesse eternamente demitido de tanta complicação. Comece agora a estudar a possibilidade de enxugar a enorme quantidade de gordura que existe nas exigências da sua vida. Celular? Cartões? Empregada? Agenda? Seguros? Carros?
Afaste-se das complicações criadas pelo mundo dos adultos. Dos sentimentos mesquinhos e pequenos deste mundo.
E fique mais próximo do único sentimento que realmente vale a pena: a PAZ e a vontade de desfrutar a vida, ou seja, de brincar, de rir muito aquele riso frouxo de criança…
E viva mais feliz!
CARTA DE DEMISSÃO – pelo nosso internauta Martinho Ferreira de Lima
Achei extraordinário o seu texto “Pedido de demissão da vida adulta”; e, como aprecio transformar “tudo” em soneto, tomei a liberdade de captar a ideia:
Quero pedir urgente a demissão,
Do compromisso banal de ser adulto,
E me recuso a prestar o velho culto,
De insanidade, problemas e ambição.
Retroceder ao tempo da descontração,
Ir com os ventos, viver cada minuto,
Com a pureza no olhar, sem nada oculto,
Correr na chuva, sorrir, deitar no chão.
Quando o cansaço chegar, dormir profundo,
Ir passear no sonhar, em outro mundo,
Brincar de nuvem, num céu que é colorido.
E extasiado em viver cada momento,
Quero gritar bem alto, aos quatro ventos,
Que desse mundo sem cor, fui demitido.
Leia também: Simplificando a vida
Este texto, inicialmente publicado em 2000, está sendo transformado em um filme – curta-metragem – pelo diretor Bi Rodrigues com o tema “As 4 Estações”, em que “A demissão da vida adulta” irá desenvolver o Outono.
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