Planeta Terra – o nosso paraíso

Um texto maravilhoso sobre Agroflorestas, enviado pela Betina Piva

By Ernst Götsch *

Observa as plantas e as situações onde elas melhor prosperam! 

Tenta enxergar os consórcios em que cada espécie naturalmente aparece!

Estuda o solo que tu queres cultivar baseando-te no ponto de vista da planta que tu estás pretendendo introduzir!

Será que ela se daria bem nas atuais condições? Será que ela conseguiria se estabelecer e chegaria a dominar naturalmente nesta situação? Será que, depois dela ser colhida, o solo ficará mais rico, mais fértil?

Só em alguns casos, bem excepcionais, tu poderás responder a essas perguntas de forma positiva. Porém é apenas nesses casos que poderemos ter a certeza de estar fazendo agricultura sustentável.

Contudo, não desanimes!

Talvez a tua planta possa fazer parte de um consórcio de espécies, em que umas sejam plantas cultivadas e outras sejam espécies da vegetação nativa do lugar. Ademais, a vida não é estática, ela é um fluxo, uma corrente de espécies e de gerações. Cada uma é determinada pelo que lhe antecedeu, e condiciona a que vem em seguida.

Caso haja uma intervenção que leva à mineralização – o que é idêntico a uma descomplexificação – haverá uma perda de vida, uma regressão na sucessão. Por isso, iniciando um plantio novo, nunca faça uma queimada e nem are a terra, pois são duas intervenções que causariam uma grande perda de complexidade, de vida.

Tu também não deves cultivar monoculturas, mas sim, como a natureza te ensina, plantar consórcios de espécies, o mais diversificado possível, de todas as etapas sucessionais, a caminho do clímax da vegetação natural do teu lugar. Ou então, mais facilmente, tenta entrar com a tua planta cultivada no ponto da sucessão onde ela seja aceita e levada pelos processos orgânicos do sistema. Isto é, no lugar da sucessão natural onde um tipo de vegetação com características similares iria aparecer naturalmente.

Observa o que a natureza faz, aprende com ela e tenta copiá-la! Por exemplo, se tu queres cultivar feijão e milho, planta também a cana e umas laranjeiras, além de muitas outras espécies. Isto significa plantá-las todas juntas, ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Nesse consórcio de milho, feijão e outras espécies, cabe ainda, por exemplo, bananeiras, capim elefante, mandioca, inhame, pimenta malagueta, sapoti, leucena, mulungu, sapucaia, mangueira e ainda pimenta do reino nas árvores altas do futuro.

Cada espécie contribuirá para completar o consórcio e para que todas as outras prosperem melhor. Nenhuma delas cresce ou produz menos devido à presença das demais, pelo contrário, cada uma depende da outra para conseguir chegar ao estágio de desenvolvimento ótimo. É provável que as culturas que tu introduziste ainda precisem de dezenas de outras espécies de ervas, arbustos e árvores, sem contar as milhares de espécies da microflora e da fauna, para que o potencial de vida se desenvolva plenamente e para que as tuas culturas sejam prósperas e produtivas.

A exemplo disso temos o feijão e o milho, que prosperam onde surge uma clareira na mata com maior acumulação de matéria orgânica, oriunda de ervas, cipós, arbustos e árvores periodicamente rejuvenescidas, portanto, um sistema naturalmente bastante rico, enquanto biodiversidade. Sabe-se, também, que o milho produz mais sendo plantado junto com o feijão, tal como ocorre com o abacaxi e a mandioca, que devem ser plantados junto com as árvores que os seguem na sucessão. Assim, o milho e o feijão, tal como o abacaxi e a mandioca, são ótimos criadores de árvores.

Também a bananeira, quando plantada juntamente com laranjeira, tem mais saúde do que sem a presença dela e vice-versa. E quanto à produtividade, qualidade de frutos e potencialidade, elas dependem da companhia da ingazeira e do mulungu. Por sua vez, a sapucaia também precisa de uma vegetação próspera de um modo similar ao consórcio acima descrito, para obter um grau ótimo do seu desenvolvimento.

Cada espécie desse consórcio depende dos minerais que árvores como a sapucaia mobilizam do subsolo, através das suas raízes pivotantes, tornando-os disponíveis na forma de folhas, que trocam anualmente, e nas frutas que produzem em grandes quantidades.

Muitas vezes, as espécies que pretendias cultivar não são mais adaptadas para o dado lugar. Este é um fenômeno bem comum nos lugares onde a agricultura se encontra em crise. Não tentes, neste momento, usar “muletas” na forma de aração, de leiramento, de capina geral e outras atividades, que provocam efeito de mineralização acelerada e forçada. O resultado será um solo empobrecido. Trazendo adubo de fora tu não conseguirás acelerar os processos sucessionais. Com a introdução do adubo, estarás apenas criando uma ilusão para a planta que não estava prevista para aparecer e dominar naquele contexto. Quando for gasta a energia do adubo trazido de fora, o sistema vai regredir.

Por isso, faz o que a natureza te ensina, planta o que pode prosperar nas condições do teu solo. Essa vegetação, por sua vez, fará o solo prosperar. Começa, se necessário, com as espécies colonizadoras e pioneiras, com as plantas mais rústicas! Escolhe as mais eficientes, aquelas que têm a maior capacidade de aumentar a vida e de melhorar o solo naquela determinada situação.

Nós podemos conseguir uma melhora até mais rápida do que a observada na capoeira.

– Primeiro, através do uso de espécies e de consórcios de espécies mais eficientes para cada situação e -sendo árvores e arbustos – plantando em alta densidade populacional.

– Segundo, usando sistematicamente duas técnicas. Uma é a capina seletiva, que consiste em arrancar seletivamente aquelas ervas que vêm amadurecendo e aquelas que têm sido ecofisiologicamente substituídas por plantas cultivadas. A outra técnica é a podação de herbáceas perenes, arbustos e árvores, que segue os mesmos critérios usados na capina seletiva, e consiste em cortar ou podar de acordo com a espécie e com a função dela dentro do sistema. Temos como resultado das duas operações:

1. O temporário aumento de penetração de luz.

2. Uma maior quantidade de matéria orgânica no chão, que protege e enriquece o solo, o que resulta num aumento das atividades dos microorganismos e num PH mais próximo ao neutral (são os microorganismos que estruturam o solo, tornando desnecessário o uso da enxada).

3. Maior capacidade do solo para reter água, devido ao seu enriquecimento e sua melhor estruturação.

4. O rejuvenescimento do sistema, visível na rebrotação profusa e violenta, e na saúde próspera de todas as plantas, pouco tempo depois da intervenção realizada através da capina seletiva e da poda.

A planta é quem faz o solo, ela traz fertilidade para a terra. Uma das principais características das plantas – de todos os seres vivos, da vida inteira, do nosso planeta como macroorganismo – é de transformar, de otimizar a organização dos fatores necessários (água, minerais, raios solares ou energia) em sistema de vida. O agricultor sábio vai tentar planejar e realizar as suas intervenções de uma forma que o resultado das suas operações seja uma harmonização e uma sincronização e, talvez, no melhor dos casos, uma aceleração dos processos que contribuem para o aumento de vida.

As intervenções na forma de capina seletiva, podação e plantio de consórcios complexos e densos são estratégias também usadas pela própria natureza. O que recomendo é que o agricultor observe, entenda e depois copie o que a natureza faz. A capina seletiva, por exemplo, também é feita pela saúva e por outras amigas consideradas pelo ser humano moderno – por ignorância ou arrogância – como “pragas”. Elas são verdadeiras “profissionais” nesta atividade. Elas podam tudo que, no momento, não tem capacidade para contribuir da melhor forma para o aumento de vida num determinado lugar. Essa prática das saúvas é uma lição difícil, a ser aprendida pelo agricultor e, talvez, uma das mais conflitantes para os que pretendem ensiná-lo e ajudá-lo.

Na realidade, além da saúva cortar ou podar exclusivamente o que não está no lugar adequado, seja pela origem ou pelo uso temporário, ela nos ajuda em outro trabalho importante. A saúva transforma os lugares onde costuma viver – terras nuas, empobrecidas, compactadas e muitas vezes ácidas – em um chão com terra afofada e enriquecida com matéria orgânica. São os núcleos onde se estabelecem os precursores de uma vegetação mais frondosa e de uma vida mais rica, de futuro.

Para evitar conflitos com as saúvas, vamos futuramente trabalhar de uma forma que torne desnecessário o serviço delas, plantando o que é adequado para o lugar, o que mais prospera, o que por si mesmo consegue se estabelecer numa determinada situação, num determinado lugar.

Faça tudo para aumentar a vida. Aumente a matéria orgânica na terra e a cobertura do solo. Aproveite todas as plantas da vegetação nativa. No começo, talvez, tu te sintas perturbado por uns matos “nocivos”, porém, ao invés de recorrer à enxada e à foice, tenta descobrir o motivo do surgimento deles, a função deles dentro do sistema. Todos eles aparecem para aumentar a vida.

Logicamente, a nossa reação diante de um mato, futuramente, será a de perguntar: em que é que tu estás querendo me ajudar?. O que é que tu poderias fazer de útil? Qual é o teu potencial benéfico? Assim, talvez possas encontrar uma planta, uma espécie cultivada, para substituir o que quiseres no teu sistema, uma espécie de mais utilidade para ti.

Neste caso, planta essa espécie, mesmo que o teu plano inicial tenha sido, por exemplo, o cultivo solitário do milho. E faz isso com cada um dos matos nocivos. Substitua-os por plantas cultivadas com a mesma função ecofisiológica ou aproveite-os diretamente para melhorar o solo.

Da mesma forma reaja diante das “pragas” – gafanhotos, saúva e outros insetos -, ou no caso da ocorrência de doenças, a tua pergunta vai ser: o que foi feito errado que “tu” estás querendo expulsar o meu milho, o meu feijão, etc.?

Tenta enxergar e descobrir as diferenças no solo e no ambiente, entre os lugares onde as doenças e as pragas não perturbam o solo, ou perturbam menos, e as situações onde eles atacaram violentamente. As pragas e as doenças indicam os pontos fracos no teu sistema. É mais vantajoso procurar corrigir os erros.

Planta o que é adaptado para cada lugar e tenta melhorar o solo através do modo de cultivar, ao invés de combater “ervas ruins”, “pragas” e “doenças”. Os matos são também ajudantes para melhorar o solo, tanto quanto as “pragas” – as minhas professoras. Elas indicam o que é adequado para cada lugar.

As doenças são os sensores mais sutis para indicar os pontos fracos nos sistemas.

Favorece os processos do fluxo natural da vida, favorece a força que a vida tem para aumentar, para complexificar e para transformar os resíduos entrópicos em sistemas vivos!

Favorece os processos sucessionais, o veículo em que a vida atravessa o tempo e o espaço! Deixa-te levar pela corrente, pelo fluxo da vida!

Tenta usar o barco adequado para cada água!

Assim, frondosamente e com abundância, a Mãe Terra te gratificará e tu viverás em paz.

Sobre o autor: O agricultor e pesquisador Ernst Götsch é suíço e iniciou seu trabalho no Brasil em 1982. Reside no município de Piraí do Norte, no Sul da Bahia, onde desenvolve, desde 1984, uma experiência pioneira em agroflorestação. Ernst presta assessoria a organizações não governamentais, universidades e órgãos de assistência técnica rural em quase todas as regiões do Brasil, principalmente para entidades da Rede de Projetos em Agricultura Alternativa (Rede PTA). Também assessora organizações da Europa e da América Latina, e atualmente é cooperante do Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (DED) e consultor do Centro Sabiá.

3 de outubro de 2019

0 respostas em "Planeta Terra - o nosso paraíso"

Deixe sua mensagem

Aviso legal

AS INFORMAÇÕES E SUGESTÕES CONTIDAS NESTE SITE TÊM CARÁTER MERAMENTE INFORMATIVO. ELAS NÃO SUBSTITUEM O ACONSELHAMENTO E ACOMPANHAMENTO DE MÉDICOS, NUTRICIONISTAS, PSICÓLOGOS, FISIOTERAPEUTAS E OUTROS PROFISSIONAIS.

Contato

[email protected] - CNPJ: 23.834.685/0002-58
RUA MACHADO BITTENCOURT, 205 - SÃO PAULO - CEP 04044-000

Site seguro

top
COPYRIGHT © 2019 DOCE LIMÃO. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.