Quem é o responsável?

Por Oliveira Fidelis Filho

A culpa é dos pais que não educam os filhos, do Estado que não investe devidamente na educação, dos alunos que não têm mais respeito, dos professores despreparados, das aulas “nada a ver”… Na eterna necessidade de transferir responsabilidade, toda a sociedade adoece. Dados recentes nos dão conta que dos 55 mil professores da rede de São Paulo, 16 mil (30%) foram afastados por motivos de saúde. Cresce concomitantemente o número de alunos com os mais variados distúrbios e disfunções, oriundos de famílias também fragmentadas e enfermas. Vivemos dominados pelo vício da transferência que a todos debilita.

Ao filósofo existencialista Jean-Paul Sartre é atribuída a famosa frase: “o inferno são os outros”. Segundo Sartre, ao dependermos demasiadamente dos julgamentos e das ações dos outros, abrimos mão de nossa liberdade essencial e criamos nosso próprio inferno. Queimamos assim na fornalha alimentada por nossos próprios medos, pelos nossos “demônios” internos, pela incapacidade de autonomia. Para o filósofo francês, portanto, os outros não são necessariamente os causadores do nosso sofrimento; somos nós que transformamos o outro em carrasco de nossa tortura.

Somos geralmente ágeis em transferir a outrem as causas de nossas inseguranças, irritabilidades, desconfortos, carências, infortúnios, mágoas, stress, descompensações, explosões de ira, enfim nossa carência de Paz. No entanto, por mais que creiamos que “o inferno são os outros” é dentro de nós que ele queima.

“Os outros”, com os quais somos “obrigados” a conviver como o patrão, sócio, colega de trabalho, vizinho, cônjuge, pais, filhos ou irmãos, entre outros, se não existissem ou se não se comportassem como se comportam, a vida seria um mar de rosas, o próprio céu; teríamos paz. Alucinamos! Para muitos ainda, o inferno não são os outros e sim a solidão emocional, intelectual, espiritual e relacional na qual se vêem mergulhados.

Na verdade, o outro realmente problemático que enxergamos, projetado no próximo, mora dentro de nós. Trata-se de outro que existe em desarmonia com o Eu, um ego desvirtuado e fragmentado em desarmonia com o Self, com a essência divina que habita todos os seres, humanos ou não.

Gosto da história da mulher que olhava através do vidro de sua janela as roupas mal lavadas da vizinha. Ela não poupava comentários maldosos, até o dia em que lavou sua própria janela e, como num passe de mágica, percebeu que as roupas da vizinha eram muito bem lavadas. Há mais de 2000 anos Jesus já recomendava: “Hipócrita! Tire primeiro a trave que está no seu olho e então poderá ver bem para tirar o cisco que está no olho do seu irmão“. Tal ensinamento do Mestre me faz lembrar o dia que troquei uma lâmpada de 40 por uma de 100 watts em meu banheiro e passei a perceber que havia nele muita sujeira. Quando iluminamos melhor o nosso próprio interior percebemos que precisamos, e muito, de nos limpar.

Desde tempos imemoriais que alimentamos o vício de transferir para o outro as causas do nosso inferno pessoal. Tão antigo quanto o mito cristão de Adão e Eva, e certamente muito antes, é a reativa compulsão que nos leva a transferir responsabilidades e, sobretudo, não admitir que os infortúnios pessoais e alheios são sim de responsabilidade nossa. Com tais padrões comportamentais, cobrimos o planeta de mútuas, infindáveis e sombrias acusações; caminhamos em círculo, não evoluímos, não expandimos a consciência.

Assim, “Adão” e “Eva” continuam a se acusar mutuamente no tempo e no espaço. Sobre algum “bode expiatório” improvável despejam-se doentias culpas. Sobre um “cristo” divino ou humano acreditamos ser possível transferir densas e consteladas sombras. Sob alguma areia inconsistente, insiste-se em enterrar a cabeça, desconsiderando-se a insanidade de tal ato e a vulnerabilidade a que se está exposto.

Lembrando Freud, infelizmente, tais mecanismos de sobrevivência como negação, repressão, supressão, projeção ou racionalização, ainda que ajudem a sobreviver, estão longe de proporcionar acesso aos oásis de uma vida abundante. Foi, no entanto, para esta dimensão abundante de vida que o Mestre Jesus nos desafiou com sua própria vida e ensinamentos.

Mas como sair deste ciclo vicioso, desta forma-pensamento tão fortemente instalada no inconsciente individual e coletivo? Como nos livrar deste terreno empedernido, semeado de culpas, fugas, acusações e medos de onde germinam os frutos dos quais nos alimentamos e intoxicamos? Como desprogramar este robô formatado por crenças que nos subjugam a partir de comandos oriundos do subconsciente? Assumindo 100% de responsabilidade.

Enquanto não assumirmos 100% de responsabilidade, continuaremos a conviver com uma educação distante do ideal; com políticos corruptos, oportunistas, despreparados e incompetentes. Com líderes religiosos e espiritualistas estelionatários, com noticiários respingados de sangue e das mais variadas expressões de miséria, alem de infindáveis conflitos internos e externos.

Assumir 100% de responsabilidade é entender que aquilo que vemos acontecer fora de nós é simplesmente projeção de uma realidade que está dentro de nós pois, admitamos ou não, somos todos Um.

Significa no dizer do Mestre, “andar a segunda milha”, ou seja, derrubar os muros do ilusório isolamento que buscamos erguer pela transferência da culpa, passando a caminhar amorosamente ao lado de quem, segundo o nosso entendimento, nos impõe limitações e sofrimentos. Nem sempre esta caminhada ao lado precisa ser física mas deve ser sempre próxima ao coração. Só assim estaremos buscando diluir as sombras que enxergamos nos outros, na Luz que em nós precisa existir.

Significa, ainda, lembrando o Mestre, “dar a outra face”. E aqui faz-se  necessário baixar a guarda da reatividade. O que se propõe é responder com silêncio amoroso o grito rancoroso; colocar na bandeja da maldade o cálice da bondade; acolher na mansidão os atos de agressividade; iluminar com a face do amor os caminhos sombrios do ódio. Dar a outra face, portanto, é diluir na Luz interior as trevas exteriores, é agasalhar no calor da reconciliação a frieza das guerras conscientes que a face dura e gélida do mal só derrete e aquece na magia do Amor.

Assumir 100% de responsabilidade é colocar em prática o princípio da semeadura e colheita como disse Jesus: “tudo quanto, pois, quereis que os homens voz façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a lei e os profetas”. Neste princípio está implícito tudo o que é mais significativo na expansão da consciência, no desenvolvimento da espiritualidade, na saúde existencial e  relacional.

Assumir 100% de responsabilidade não significa se culpar e sim transformar.

Oliveira Fidelis Filho – Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador, Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor – [email protected]

Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte www.docelimao.com.br

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