Sobre frutas e silicone

Andréia de Moura *

O que o consumo de frutas e o silicone têm em comum? O título é meio louco, mas você vai entender.

Acho que não é preciso nem me apresentar por aí para as pessoas saberem a minha profissão. A partir do momento em que abro minha tigelinha, cheia de frutas e começo a comer, no ônibus, parque ou sala de espera; as pessoas se viram e me olham como se eu fosse um ET.

Me sinto constrangida? Muito pelo contrário. Vergonha eu sinto mesmo é quando vou fazer compras para mostrar nos vídeos educacionais que faço. É quando encho o carrinho de produtos ‘ilustrativos’, ricos em açúcar, gordura ou sódio, São refrigerante, embutidos, pizza congelada, salgadinho, biscoito recheado, e por aí vai.

O engraçado: nesta situação ninguém fica me olhando como se eu fosse um alienígena, que é exatamente quando, e infelizmente, só eu sinto vergonha.

O que aconteceu? Por que os valores alimentares estão invertidos tão perversamente? Por que parece estranho levar uma fruta dentro da bolsa, e ao mesmo tempo não há nada de mais em tomar refrigerante com uma coxinha às 8 horas da manhã? Já vi essa cena, ao vivo e em cores. Só não pedi para tirar foto, pois estava sem câmera. A pessoa não estava nem um pouco envergonhada desse assassinato explícito ao seu estômago, em plena luz do dia.

Todos sabem da verdadeira luta que é fazer adolescentes levarem frutas de lanche. Os amigos olham, comentam. É inaceitável! Por que eu tenho que ter vergonha de comer algo que está me nutrindo, me trazendo saúde e vitalidade? Me envergonhar deveria ser por estar destruindo publicamente minhas artérias, ao comer um lanche de hambúrguer todos os dias na cantina!

Comecei a refletir sobre isso: será que é porque a fruta tem cheiro, e portanto, chama a atenção das pessoas? Mas, e aquele salgadinho sabor queijo que tem um terrível cheiro de chulé? Este não provoca qualquer estranhamento…

Será então que o motivo é que, dependendo da fruta, solta água e precisamos de um guardanapo para não nos lambuzarmos? Não, pois se fosse, comer hot-dog soltando maionese pelos lados causaria constrangimento. Por sinal, dá muito mais trabalho, pois ao invés de água há gordura para ficar limpando… Também já vi pessoas comendo macarrão instantâneo dentro do trem. Sabe aquele tipo que vem num copo? Pois é, o macarrão exalava um cheiro bem característico, mas ninguém as olhava como se fossem extraterrestres.

Depois de muito refletir, cheguei a uma conclusão: as pessoas não comem frutas publicamente pelo mesmo motivo que tantas mulheres estão colocando silicone. É isso mesmo. Somos uma sociedade massificada em prol do consumo: todos têm que ser iguais, comer a mesma coisa, vestir a mesma coisa; em suma, SER a mesma coisa.

Mesmo que você não tenha nascido com nada do estereótipo moldado, tem que dar um jeito e modificar! Mesmo que você adore frutas, tem quem preferir um salgadinho, afinal é o que todo mundo come. E você é claro, não vai cometer o mico/gafe/vergonha de fazer diferente, mesmo que isso comprometa a sua saúde. Sua saúde pode estar comprometida, mas sua imagem jamais. É assim que A Era da Loucura funciona.

E por que acreditamos que é vergonhoso ser diferente? Por que se todos forem o que são, não haverá tanto lucro fácil.  Não haverá consumo astronômico com silicone, plásticas, academias, remédios.

E se você ainda não entendeu o que isso tem a ver com alimentação, veja só:

Enquanto você acreditar que refrigerante, macarrão instantâneo e sucos em pó são bons alimentos, e que toda pessoa moderna, poderosa, e bem-sucedida deve consumir; em outras palavras, que todo cara que “pega” mulheres “gostosas” toma cerveja; que toda mãe exímia enche seus filhos de suco em pó, margarina e suplementos alimentares infantis; que para fazer comida com amor você tem que usar um tempero pronto rico em sódio; que para ser um bom pai e contribuir com o desenvolvimento psicomotor do seu filho é preciso comprar um chocolate que vem com um brinquedo de montar dentro; que para ir à balada sem parecer um “nerd” você tem que tomar energético; que para não parecer uma lhama você tem que mascar chiclete; que para se divertir com os amigos você precisa comer hambúrguer…

Enfim, enquanto você acreditar em tudo isso, continuará ‘consumindo’ muito, e ainda com clínicas de estética para tirar a gordura localizada, celulite e estria, com inúmeros cosméticos, academia, plásticas, médicos e fármacos para você e para os seus filhos. A fórmula perfeita de alimentar o sistema: gastar com comida e depois gastar com tratamento.

É sofrimento constante: te bombardeiam com propagandas maravilhosas de não alimentos, vazios e calóricos, dando a entender que quem não come aquilo é um otário. Ao mesmo tempo te mandam ser magérrimo, como se fosse um crime ser o contrário. O círculo é muito bem articulado, nunca se fecha. Resultado: você nunca está feliz, e esta é a intenção. Gente feliz de verdade (em paz) não dá lucro.

Tudo é questão de lucro e de delimitação da hierarquia social. Por que até mais ou menos a década de 50 era bonito ser “gordinha”? Porque a comida por muito tempo foi escassa e cara, e só os ricos tinham condições de se alimentar com abundância. Logo, ser gordo era sinônimo de ser rico. Assim como ser bronzeado era sinônimo de trabalhar na roça, por isso era feio. Ter perna da cor de palmito significava que você era da realeza e não precisava trabalhar embaixo de sol. Ser magro se tornou bonito quando a abundância de comida calórica chegou à maior parte da população e ficou difícil se manter esbelto, e é claro, quando as academias surgiram e começaram a dar lucro. Ser bronzeado se tornou bonito quando a plebe deixou a roça e foi para as fábricas em meados da Revolução Industrial, e a partir de então, só quem ficava bronzeado eram os ricos que tinham dinheiro para o lazer nos finais de semana, e não precisavam ficar trancafiados numa fábrica para ter dinheiro.

E quando será que as pessoas passaram a ter vergonha de comer frutas em público? No momento em que a indústria alimentícia começou a lucrar com seus produtos, quando a comida industrializada surgiu e se pode cobrar mais por ela que por comida de verdade.

A partir deste momento as propagandas inverteram o sentido do que significa alimento. E, todo mundo comprou a ideia: essa é a loucura, todo mundo comprou esta desnecessidade CARA em todos os sentidos.

Quanto custa 1 dúzia de banana, que te alimenta a semana toda? Menos que um único pote de macarrão instantâneo do pessoal do trem. E a banana não eleva o risco de você ter doenças cardiovasculares e gerar gastos com saúde no futuro, pelo contrário, seu teor de potássio e magnésio previne e mantém a saúde.

É por isso que eu tenho orgulho sim de não ter silicone e mesmo assim usar decote, da mesma forma que me orgulho de tirar minhas frutas, minhas fatias de cenoura e sementes de abóbora da bolsa ao final da tarde do trabalho, ou em qualquer outro lugar. Esta é minha forma de manter a saúde, acima de qualquer imagem pré-fabricada que me reduz. Esta é a minha forma de me sentir mais feliz: meu bem-estar fica acima de tudo isso. Não desejo ser marionete desse sistema perverso. 

Não precisa ser nutricionista para conseguir se alimentar corretamente, basta desejar, pesquisar, ter coragem e se comprometer. Não sentir vergonha de sair da Caverna, de Ser o que seu coração e mente pedem. Pegue a sua carta de alforria também, cuide da sua saúde, ela é seu maior bem, não permita que a tirem.
Assista alguns de seus vídeos educacionais: Açúcar e Gordura – Sal – Corantes e Adoçantes
(*) Andréia Moura – nutricionista formada pelo Centro Universitário São Camilo. Trabalha no setor público desenvolvendo palestras e Projetos de Educação Nutricional, parte dos quais, compartilha em vídeos postados na internet, onde fala de alimentação saudável utilizando recursos didáticos e impactantes. Visite seu Blog

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