Vegetais: crus ou cozidos?

Karina Toledo – Agência FAPESP ** – 26.01.2016

O ato de cozinhar os vegetais leva necessariamente à redução do teor de compostos bioativos e da atividade antioxidante? Existe uma forma de preparo ideal, capaz de melhor preservar as propriedades funcionais desses alimentos?

Para responder a perguntas como essas, uma série de estudos vem sendo realizada com apoio da FAPESP no Instituto de Saúde e Sociedade (ISS) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sob a coordenação da professora Veridiana Vera de Rosso.

Nuno Rodrigo Madeira é graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (1994), mestrado em Agronomia (Fitotecnia / Olericultura) pela Universidade Federal de Lavras (2000) e doutorado em Agronomia (Fitotecnia / Olericultura) pela Universidade Federal de Lavras (2004). É pesquisador da Embrapa Hortaliças desde 2002, atuando principalmente nas linhas de pesquisa de “Cultivo de hortaliças em sistema de plantio direto”, “Cultivo de Mandioquinha-salsa (Batata-Baroa)” e “Hortaliças Tradicionais (Hortaliças Não-Convencionais)”, além de ter tido a experiência de representar o Brasil e a Embrapa em missões de cooperação técnica no Haiti e na África.

Pitaco Conceição Trucom 

Antes de entrarmos no estudo desejo tecer 2 considerações importantes, sem contudo tirar o super mérito deste estudo, cujo propósito foi outro, mas aproveitando que estamos no assunto…

1. O estudo não avaliou o potencial enzimático, já que de conhecimento inquestionável, que temperaturas de cozimento por mais que 3-5 minutos acima de 45 graus Celsius geram massiva destruição das enzimas contidas em profusão, e naturalmente, nos vegetais crus, desde que maduros e frescos. Tais enzimas são facilitadoras da digestão humana e, na minha opinião, na maioria das vezes super compensa que estejam íntegras na hora de consumirmos o alimento.

Mas, algumas vezes concordo que um ‘cruzimento rápido’ no vapor, na chapa, numa amornagem (em panela de cerâmica ou de pedra), podem melhorar a absorção dos ativos… E isso pode variar de pessoa para pessoa, de momentos da mesma pessoa (idade, clima, etc.).

2. Concordo com vários profissionais que trabalham com diversas propostas de Alimentação Humana, como a Victória Boutenko e o Marc David, norte-americano, fundador do Psychology of Eating Institute, que no lugar de uma escolha do tipo radical (100% isso ou aquilo) por um tipo de alimentação, vale cada um ser um cientista de si mesmo, experimentando opções que te atraem por algum motivo ‘sólido’, escutando demandas do seu organismo naquele momento especial.

O que desejo colocar, além do que ficou claro no estudo abaixo (que não existe nada definitivo), apesar de ser crudívora, existem momentos que desejo um repolho no vapor, um arroz integral cozido com bastante legumes coloridos, uma feijoada do mato lotada de jilós, nabos, maxixes e couves rasgadas… Por que? Justamente porque meu organismo assim o pede. Daí respeito, porque melhor que pesquisas científicas, que ser 100% algo, certamente nosso organismo, quanto mais desintoxicado e vitalizado, mais saberá do que mais precisamos naquela refeição, dia ou semana…

Enfim, nada é 100% na vida… Porque precisamos confiar no Universo, na conexão plena com a Mãe Natureza e cantar: Deixa a Vida me levar. Vida leva eu…

Voltemos ao estudo da professora Veridiana Vera de Rosso:

“A conclusão a que chegamos até o momento é que não há uma regra válida para todos os alimentos. Depende, por exemplo, se o composto é solúvel em água, como as antocianinas, ou se é lipossolúvel, como os carotenoides. Da forma como está armazenado no vegetal, que no caso de carotenoides pode ser cristaloide, globular-tubular ou de cristal líquido. Se está ligado a outras moléculas, como proteínas, que são desnaturadas pelo calor durante o preparo, podendo facilitar a extração. Depende ainda da textura do alimento, do teor de água e de fibras. Não é possível dizer que um determinado tipo de processamento é melhor para todos os vegetais, assim como não dá para afirmar que é sempre melhor consumir o alimento cru”, avaliou de Rosso.

No trabalho mais recente, publicado na revista Food Chemistry, o grupo investigou o que acontecia com três classes de substâncias antioxidantes presentes na couve e no repolho roxo quando esses vegetais eram submetidos a três diferentes formas de preparo: cozimento por imersão na água, cozimento a vapor e refogado.

“Escolhemos as três formas de preparo mais empregadas no Brasil e buscamos deixar os alimentos na textura que seria agradável para a alimentação humana. Em seguida, a extração dos compostos antioxidantes presente nas amostras foi feita em laboratório”, explicou de Rosso.

Estudos da Unifesp buscam avaliar o impacto de diferentes técnicas de preparo
dos vegetais no teor de compostos bioativos com ação antioxidante.

No caso dos carotenoides, grupo representado pelos pigmentos que vão do amarelo ao vermelho, todas as formas de preparo levaram a uma redução significativa do teor de compostos bioativos na couve, sendo que a menos prejudicial foi o refogado. Enquanto a folha crua apresentou 155 microgramas de carotenoides totais (19 diferentes substâncias dessa classe foram avaliadas) por grama de alimento (microgramas/g), o número caiu para 35 microgramas/g na couve cozida por imersão; 43 microgramas/g na cozida no vapor; e 69 microgramas/g na refogada.

Já no repolho roxo, como o teor de carotenoides é naturalmente baixo, a diferença não foi significativa. Em relação às antocianinas (pigmentos do vermelho-alaranjado, ao vermelho vivo, roxo e azul) do repolho, o cozimento a vapor até mesmo favoreceu a extração dos compostos em laboratório, proporcionando aumento significativo do teor desses compostos.

Da folha crua foi possível obter 23,9 miligramas de antocianinas (6 diferentes substâncias dessa classe foram avaliadas) por 100 gramas do vegetal (mg/100 g). No repolho cozido por imersão o número caiu para 14 mg/100 g; no cozido a vapor ocorreu aumento para 28,9 mg/100 g; e no refogado para 25 mg/100 g.

“Como o repolho tem alto teor de fibras, a extração dos compostos é mais difícil quando a folha está crua. O cozimento a vapor promoveu o abrandamento do tecido, favorecendo a extração. Podemos inferir que o mesmo ocorre em nosso organismo, ou seja, o cozimento faz com que esses antioxidantes do repolho fiquem mais biodisponíveis para o processo digestivo. Mas, como as antocianinas são solúveis em água, devemos evitar o cozimento por imersão, pois ocorre uma grande perda durante o processo”, explicou de Rosso.

A terceira classe de substâncias antioxidantes avaliadas foi a dos compostos fenólicos. No caso do repolho, o cozimento a vapor novamente aumentou a quantidade de substâncias extraídas em comparação à folha crua, passando de 49 mg/100 g para 91,4 mg/100 g. O cozimento por imersão reduziu para 23,6 mg/100 g e o refogado elevou para 53,3 mg/100 g. Já na couve as três formas de preparo causaram redução na quantidade de compostos fenólicos extraída, sendo que nesse caso o cozimento a vapor foi o mais prejudicial (passando de 28,5 mg/100 g na folha crua para 18,6 mg/100 g) e o refogado o que mais preservou o nutriente (passando para 26,9 mg/100 g).

Ação antioxidante nas células

O passo seguinte foi avaliar em culturas de células a atividade antioxidante desses dois alimentos, tanto na forma crua como na cozida por imersão, cozida a vapor e refogada.

“Adicionamos o extrato do alimento no meio celular e esperamos cerca de duas horas para que ele fosse metabolizado. Em seguida, adicionamos à cultura uma substância geradora de radicais livres e também uma outra substância que reage com esses radicais livre formados e torna-se fluorescente. Quanto maior é a capacidade dos antioxidantes dos alimentos de desativar os radicais livres, menos as células ficam fluorescentes”, contou de Rosso.

Segundo a pesquisadora, de maneira geral, o cozimento a vapor foi o que melhor preservou a atividade antioxidante tanto na couve quanto no repolho roxo, embora as três formas de preparo tenham demonstrado ação antioxidante significativa.

Os experimentos relatados na Food Chemistry contribuem para elucidar alguns pontos que de Rosso e colaboradores já haviam apontado com baixo nível de evidência em duas revisões de literatura sobre o tema – uma já publicada na revista Food Research International e outra recentemente aceita na revista Critical Reviews in Food Science and Nutrition.

“Nas duas revisões avaliamos cerca de mil trabalhos da literatura científica e observamos uma controvérsia enorme nos resultados. O que podemos concluir é que os componentes estão armazenados de maneira diferente em cada matriz alimentícia e isso determina se ele é mais ou menos estável quando submetido ao cozimento. Portanto, usando a mesma técnica de preparo podemos obter respostas diferentes para diferentes vegetais”, afirmou.

Pitaco 2: Desejo finalmente lembrar que na Alimentação Crua e Viva fazemos sim aquecimento dos alimentos, respeitando porém o limite dos 45 graus Celsius. Para tanto usamos técnicas como vapor, chapa, desidratação solar (em desidratadores com termostato e também em forno pré-aquecido e desligado), amornagem e ‘sustos’ em panelas do tipo WOK. Saiba mais em meu livro De BEM com a Natureza (Alaúde).

(**) Agência FAPESP – Agência de notícias da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo – Divulgando a Cultura Científica.

20 de setembro de 2019

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