Maria Luiza Branco *

Estava buscando o site do Terrapia quando encontrei esta pérola…

Aos 61 anos consigo olhar para trás e ver como desenrolou parte de minha vida. Só para entender melhor o que vivo hoje! Entender não é bem a palavra… Talvez alcançar…

Desde cedo me perguntei quem eu era, quais as minhas características particulares e porquê estava viva, assim como todas as pessoas. Mas como pensei muito nisso, logo me interessei pela arte, psicologia e a observar os outros. Parecia que se soubesse quem era meu colega de escola poderia saber mais sobre mim mesma. Em diversas fases isso foi tão intenso que dediquei horas nesse caminho. Conversando com as amigas íntimas, estudando medicina, e depois psiquiatria e psicanálise. Freqüentei os psicanalistas por 17 anos, como cliente e como estudante. Embolei em relacionamentos amorosos criando relações breves e outras bem duradouras. Descobri que o casamento (convivência na mesma casa) era o maior instrumento de flexibilidade e desafio diário para minha própria vida. Casei duas vezes e ainda hoje tenho crises de não aceitação do outro!!!

Na prática de consultório, cedo percebi que não me ajustava às teorias. Havia algo dentro de mim que questionava sempre! Não me ajustei à psiquiatria nem à psicanálise. Criei um modo de cuidar aqueles que atendia e me apoiei em alguns pensadores. Entre outros, digo hoje que Freud era interessante e chato. Lacan muito complicado da cabeça. Pichon Rivière muito doido, mas foi o que mais me afinei, pois falava que a doença (ou o conflito) não pertencia ao ser humano em si, mas aos Vínculos que estabelecia. Isso me pareceu sensato e encontrei eco dentro de mim. Inseria a dimensão do ambiente social na leitura humana. Sentia isso!

Durante os 22 anos que ouvi pessoas nos consultórios escutei sobre os “outros”. A dor estava no relacionamento. Mil voltas para sair da dor e projetar. Mas a raiz da dor estava no vínculo com o outro. Experimentei isso, em minha própria vida, com separações e mudanças de vínculos. Afastamentos e novas aproximações. Afetei e fui afetada muitas vezes, criando laços para sempre.

Um dia descobri o vínculo com o ambiente natural. Até aqui parecia que só os humanos à minha volta tinham esse poder de me tocar. Não considerei, por nenhum momento, como os pássaros cantando poderiam me afetar! Ou a comida vinda da terra modificar meus pensamentos. (Nenhuma chance de aceitar essa ponderação se tivessem me contado antes. Acho até que alguém me contou, mas nem ouvi!).

Hoje me pergunto: que vínculos mais preciso descobrir que me afetam e fazem de mim a pessoa que sou? Descobrir = tirar a cobertura. O véu que encobre.

Comecei a intuir a conversa que estava estabelecendo com as sementes que passei a cultivar, germinar, brotar, selecionar, escolher, cheirar e saborear. Passei a querer saber como era a planta “encantada” que estava escrita no interior dessas sementes. Plantei na terra, vi crescer e dar novas sementes. Algumas, como o feno grego, ainda não conheço. Mas sinto seu aroma nas minhas roupas depois que a consumo. Na urina e no suor. Afetando profundamente todo meu corpo. E como afeta minha alma, pensamentos, atitudes… Como saber? Que vínculo estabeleço com o Feno grego cheiroso e marcante?

Em minhas limitações vejo hoje que não preciso enxergar. (Ver é diferente de enxergar). Preciso sim, colocar minha tensão (como diz Eckhart Tolle) na semente, pois assim ela existe e eu também. Assim vejo a vida e não a mim mesma. A importância da minha própria vida se modifica quando nos descobrimos parte de um ser vivo maior: a Terra Viva. A grande família que povoa sua pele talvez ainda tenha parentes distantes que nem conhecemos. Ainda nem começamos a conhecer nosso “hospedeiro” e sua força interior. Mas hoje sei que o vínculo continua sendo o centro onde preciso pousar meus olhos. O Vínculo agora com a vida, que é uma só.

Tenho a sensação que diversas áreas do conhecimento estão apontando para essa direção, mas sinto conforto diário na arte. O som do piano tem me afetado de maneira especial. Toco a nota e ela me toca, elevando uma oitava meus pensamentos, serenando a alma e escutando o silêncio. A arte com material natural me puxa para as formas e cores que estão a minha volta, cada uma mais bela que a outra. Recebo assim os “presentes” que estão a minha volta. A arte da jardinagem trás a convivência com as plantas que me ajudam a viver e encantar.

A arte culinária, praticada três vezes por dia, fica cada vez mais criativa trazendo a dimensão do infinito, que para mim é tão difícil de imaginar.

Minha gratidão ao caminho que a Alimentação Viva me abriu!

Hoje vejo que a medicina em minha vida só tem um sentido: dizer para todo mundo que a doença é um engano. Que não precisamos dar “tensão” a ela, criando vínculos que nos afetam de maneira dolorosa.

Que a cura está no estabelecimento de vínculos com a vida, reforçando nosso propósito nesta família Terra. A medicina voltada para aliviar os males pode ser reinventada e voltada para compartilhar modos de estabelecer vínculos com a vida, sadios. Saúde = saudação = estado de gratidão e alegria. Se não estivermos saudando… é melhor fazer silêncio! Ele vai nos trazer de volta ao Vínculo Maior.

Publicado em 10-09-2011 no blog do Portal ENSP.

* Dra. Maria Luisa Branco – médica, mestra e praticante fiel da Alimentação Crua e Viva. Dirige o Projeto Terrapia, onde são desenvolvidas atividades de horta no campus da FioCruz e são ministrados cursos e oficinas da alimentação crua e viva. Tenho a honra de tê-la na apresentação do meu novo filhote De BEM com a Natureza – Cuidando do seu filho com a Alimentação Viva. Seu site=livro vivo: [email protected]

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