Conceição Trucom (*)
O texto em itálico foi extraído de um artigo das psicanalistas Marisa Schargel Maia e Andréa Albuquerque, para as quais fico de pé e bato palmas.
Certamente este texto não será lido por pessoas 100% identificadas com o imediatismo, mas pelos:
- que em alguma instância (amor ou dor) não se identificam mais com esta fantasia,
- pais e educadores que desejam filhos/alunos preparados para serem adultos saudáveis,
- que, ainda que inconscientemente, sejam formadores de opinião e,
- profissionais “buscadores” que trabalham com as vítimas e os problemas gerados por essa sociedade.
Recomendo após a leitura deste texto, assistir ao vídeo indicado abaixo.
A sociedade contemporânea está marcada por uma cultura da imagem, em que o instantâneo e a busca de satisfação imediata e contínua são valores predominantes.
O que se nos apresenta como paradoxal na cultura contemporânea é a promessa/exigência de conquista de satisfação de maneira imediata. A mídia-cultura parece estar sempre afirmando através de simulacros que você pode - e pode imediatamente. Definitivamente, o processo de constituição do sujeito não é marcado nem pelo instantâneo, nem pelo imediato. É preciso um longo “aprendizado” para que se instaure o sujeito social. Presos a rede de fascínio da mídia-cultura vivemos um logro, já que mecanismos psíquicos complexos estão imbricados na possibilidade de alcançar o estado de prazer-satisfação.
De acordo com o dicionário Aurélio, imediato quer dizer rápido, instantâneo; o termo é ainda utilizado, em Filosofia, para designar toda relação em que dois termos se relacionam sem que haja um terceiro que se interponha como intermediário. No senso comum, o termo imediato se aproxima mais do instantâneo do que do rápido. Mas por que associar a cultura contemporânea à idéia de imediato? Aspectos aparentemente isolados da vida cotidiana têm; como traço comum, essa idéia. De uma forma subliminar, os meios de comunicação de massa difundem-na em termos de consumo: adquira determinado produto e realize seus sonhos de imediato.
No âmbito da clínica, cresce a pressão pela obtenção de resultados rápidos; com frequência, ao procurarem tratamento psicoterápico, os (im)pacientes relatam tentativas anteriores de alívio de seus sofrimentos através de recursos que prometem solução imediata, como auto-medicação, recursos esotéricos.
Lendo um texto sobre o carinho conquistado pelo Dalai Lama no ocidente, ressalta aos olhos o fato desta sociedade imediatista estar buscando AMPARO em líderes espirituais, medicinas orientais e terapias esotéricas. Origem das propostas milenares, espirituais e humanistas, sua essência é a conexão com a natureza e o autocinhecimento. Entretanto, diante da real sensação de DESAMPARO; as pessoas teimam em trazer para estas culturas predominantemente existenciais, com seus ensinamentos e práticas espirituais; seus óculos viciados pela ilusão do imediatismo.
O que se veicula e ficou impregnado, como lavagem cerebral (pois o indivíduo perde a capacidade de questionar) é a satisfação imediata: esse é o bem maior.
Uma colocação comum: estou tomando os sucos desintoxicantes faz 1 mês e não baixou o meu colesterol. Em quanto tempo ele vai baixar? Tipo: quanto tempo tenho que fazer uso deste tipo de alimentação natural? Quando poderei voltar aos maus hábitos alimentares? Qual o tempo de sacrifício???
No que se refere ao uso do corpo, os efeitos de tal exigência de imediatismo são particularmente marcantes: na busca da sensação de prazer e auto-estima, recorrem-se a soluções milagrosas cujas conseqüências, a médio e longo prazo, são desconsideradas. Nesse sentido, o uso de anabolizantes acelera o lento processo de preparação física em academias; cremes, massagens e pílulas garantem a modelagem do corpo de modo rápido, eficiente e sem sacrifícios; excessos alimentares são neutralizados com medicamentos – pílula para eliminação de gordura, pílula para azia, etc.; o Viagra garante a boa performance com o mínimo de interferência do “contingente”. A indústria farmacêutica gradativamente substitui o delicado autocontrole do corpo. Os sinais corporais, indicadores de sua saciedade e de seus limites, são silenciados por substâncias químicas. De modo análogo, estados de ansiedade, angústia, tristeza – experiências de dor que sinalizam o modo como o homem se coloca em certas situações, preparando-o para elas -, também são aplacados por medicações. Busca-se permanecer no estado de prazer e alegria, ao preço de se eliminar parte da experiência humana. É como se, socialmente, não se reconhecessem mais a dor e a frustração como constitutivos do percurso rumo aos ideais de prazer e alegria. Dor e frustração passam a ser indicadores, não de limites inerentes à experiência humana, mas da insuficiência daquele sujeito singular. Ou seja, veicula-se a idéia de que essa imagem ideal de pleno prazer está disponível para todos a mínimo esforço e que a não concretização desse modelo decorre de problemas particulares daquele sujeito.
É principalmente através dos meios de comunicação de massa, com privilégio da televisão, que o Imediato se difunde e se consolida como valor. Numa primeira visada, este é difundido explicitamente através da propaganda: a melhor qualidade de um produto traduz-se por sua rápida eficácia. Numa segunda observação, mais atenta, percebemos uma aplicação mais sutil e estrutural desta categoria. Este é divulgado, na mídia, não apenas no conteúdo de notícias e peças publicitárias, mas principalmente pela forma como é estruturada a programação televisiva. No noticiário, por exemplo, notícias ruins são intercaladas com notícias boas e amenidades; a linguagem é a mais simples possível; conteúdos mais complexos são depurados e apresentados de modo panorâmico. Com esses recursos, o espectador é poupado do trabalho de pensar, de processar as informações recebidas; o mundo em flashes é facilmente deglutível, minimizando-se, assim, a possibilidade de apropriação crítica e seletiva do conteúdo veiculado.
Enfatizemos, porém, que nesse processo, o que se perde é a possibilidade reflexiva do pensamento, ficando-se aprisionado ao fascínio das imagens.
E neste ponto tenho que lembrar do filósofo Sócrates, que foi condenado à morte, acusado de influenciar os jovens Atenienses, no questionamento das decisões sociais e políticas da época. Seus credos eram: “Uma vida sem questionamento não vale a pena ser vivida”, “Conhece a ti mesmo” e “A sabedoria não vem somente da observação, mas também da introspecção”.
Duas questões, intimamente entrelaçadas, se destacam nesse olhar panorâmico sobre a cultura contemporânea. A primeira refere-se aos valores veiculados nessa cultura – ideais de prazer e bem-estar imediatos e contínuos. A segunda, ao modo como esses valores são difundidos e apreendidos prioritariamente através de imagens. No horizonte dessas questões, situa-se a problemática da produção de novas formas de subjetivação.
A nosso ver, a consolidação do Imediato como valor é um dos desdobramentos da lógica da sociedade de consumo. Nesta, o ser é definido pelo ter: para se ser alguém, há que se ter… um corpo bem modelado, posição, dinheiro, bens. Na propaganda, cada produto é associado a um estilo de vida, a um status social, a um ideal subjetivo, a uma "tribo"; em contrapartida, a expectativa do consumidor é que com a aquisição daquele produto, ele adquira também aquele padrão corporal, a filiação àquela tribo, aquele status.
No entanto, observamos hoje uma mudança sutil, mas significativa, referida ao tempo do processo: predomina, agora, a ordem do Imediato, com a exigência de se alcançar, ontem, o modelo ideal. Com essa urgência, o processo, antes de se constituir uma trajetória para se atingir uma meta, é vivido como obstáculo a ser superado. Experimenta-se como sendo quase da ordem do insuportável o adiamento da satisfação, que seria alcançada ao se atingir a meta idealizada. Todos os meios para se alcançar resultados favoráveis imediatos parecem válidos. Nesta medida, entendemos que a cultura do consumo teve como um de seus desdobramentos a cultura da imagem, sendo a passagem de uma para outra marcada pela tendência à supressão do tempo de processo. Nessa mesma perspectiva, faz-se preciso estabelecer uma distinção entre ter uma imagem (na qual está presente a idéia de tempo de processo) e ser uma imagem (na qual a instantaneidade é marca fundamental).
Destacamos até aqui, dois pontos fundamentais:
1) A dimensão de mudança na experiência temporal, na medida em que a imagem se associa à apreensão instantânea de conteúdos, como exemplificamos acima com relação às notícias jornalísticas.
2) Com a utilização dos meios de comunicação de massa como principal veículo de reprodução da sociedade de consumo, os ideais de subjetividade passaram a ser o maior produto a ser consumido. Quando se vende um biquíni de griffe, não está em jogo somente a aquisição do produto, mas o que se vende subliminarmente é o padrão corporal.
Resta-nos ainda um terceiro ponto fundamental, a saber, o papel desempenhado pelos meios de comunicação de massa, em especial, a televisão, na configuração da subjetividade contemporânea. Numa primeira aproximação, os programas televisivos parecem constituir importante fonte de modelos identificatórios, na medida em que crianças, adolescentes e adultos buscam imitar, em seu modo de vestir e em seus trejeitos, os personagens mais difundidos da mídia. No entanto, é preciso considerar como esses modelos são apropriados pelo sujeito; a nosso ver, essa apropriação é, com frequência, mediada pela fascinação, o que nos permite estabelecer, nesse caso, uma distinção com o processo de identificação propriamente dito. A diferenciação que queremos delinear aqui é entre o processo de estruturação do sujeito e mecanismos de modelagem subjetiva de massa.
Vejamos:
A configuração da subjetividade é resultante dos jogos identificatórios vividos pelo sujeito ao longo de sua existência. Face à vivência do desamparo, o primeiro movimento do bebê é tentar dar um destino a esta angústia pela via alucinatória, uma descarga imagética e imediata. A falência desta tentativa o leva a buscar outras saídas psíquicas, mais elaboradas, para lidar com a angústia, sendo estas articuladas a partir da mediação de um outro. Ou seja, o movimento do sujeito para fora de sua redoma narcísica auto-suficiente rumo aos objetos do mundo é provocado pela experiência de insuficiência de seus recursos mágicos imediatistas. Constitutivamente prematuro, o sujeito humano depende, para sua sobrevivência e estruturação, de um outro que lhe propicie o que lhe falta. Pela relação com esses outros significativos, apropriando-se do que lhe é oferecido e transformando-o em algo próprio, o sujeito gradativamente se singulariza e ganha autonomia, ao mesmo tempo em que permanece vinculado por laços de dependência.
No processo de socialização da psique haverá um progressivo adiamento de satisfação, resultante da “negociação” do sujeito com a cultura e um incremento da complexidade na busca do prazer. Gradativamente haverá a passagem do prazer imediato voltado para o auto-erotismo, lugar narcísico ou do eu ideal, para formas postergadas de prazer – ou formas de prazer mediado. Ou seja, o processo de socialização implica no reconhecimento, pelo sujeito, de que algo lhe falta, pelo qual deverá fazer-se trabalhar.
No processo de modelagem subjetiva de massa, pela via da fascinação, tende-se a suprimir a dimensão de singularidade do sujeito. O objeto eleito como ideal é incluído no eu por inteiro, e é como se ocupasse o lugar do eu, havendo um enfraquecimento da vontade e iniciativa próprias e tendendo-se à sujeição humilde aos ditames desse ideal. Em “Psicologia de grupo e análise das massas”, Freud traça uma distinção interessante entre o processo de identificação e o de fascinação: No primeiro caso o ego enriqueceu-se com as propriedades do objeto, “introjetou” o objeto em si próprio. No segundo caso, empobreceu-se, entregou-se ao objeto, substitui seu componente mais importante pelo objeto.
Para Ferenczi, a introjeção constitui o instrumento psíquico fundamental para que os mecanismos identificatórios possam se estabelecer. É através da introjeção que se dá a relação inaugural do eu com o meio, em um processo pelo qual o eu traz para si parte significativa do meio exterior. Esta inclusão no interior do eu dos objetos do mundo exterior resulta de uma extensão de seus interesses, de origem auto erótico, ao mundo exterior, movimento esse desencadeado pela angústia de desamparo vivida frente à perda originária do objeto.
O conceito de incorporação é introduzido por Freud em 1915, no que diz respeito à noção de oralidade, daí porque alguns comentadores apontam para a possibilidade de entendermos o mecanismo de incorporação como o modelo corporal da introjeção. Rigorosamente, o processo de introjeção abre caminho para a possibilidade de um aparato psíquico centrado na representação, na medida em que ao introjetar o objeto, o eu também introjeta a dimensão de sentido que comporta o objeto. Já no processo de incorporação existe um “faz de conta”, pois o objeto é apropriado mas sem essa dimensão de sentido. De acordo com Torok, um dos elementos fundamentais na distinção entre introjeção e incorporação é a dimensão de processo inerente à introjeção, enquanto a incorporação teria um caráter mágico, instantâneo, próximo à alucinação. Parece-nos que essa dimensão de processo é o que garante a possibilidade de introjeção efetiva do objeto, enquanto na incorporação o objeto é apropriado por inteiro, sem que seja ‘processado’ ou “digerido”. Aqui o objeto não atingiu a dimensão de mediação entre o eu e o mundo. Enquanto a introjeção possibilita o enriquecimento do eu, na incorporação o eu é como que diminuído frente à grandeza do objeto incorporado, que de alguma forma assume o lugar do próprio eu.
E aqui temos uma boa explicação para o tanto de obesidade e problemas digestivos existentes em nossa sociedade. Engole-se tudo via todos os 5 sentidos, mas se vai ser digerido (refletido, filtrado, questionado) ou não é outra história. Seja no estômago, na mente ou no coração.
É urgente
- não se deixar seduzir/iludir/enganar pelas mensagens de consumo,
- manter-se o mais lúcido e acordado possível diante das propostas diárias,
- perguntar-se a todo estímulo: preciso mesmo disso? Serei mais feliz ou saudável ao adquirir isto?
- fazer a digestão diária de tudo que já entrou e do que entrar e,
- valorizar o simples, integral e natural. E mais, o que é local. Industrializou? Desconfie.
Vídeo indicado: A história das coisas
Leia na íntegra o texto das psicanalistas Marisa Schargel Maia e Andréa Albuquerque em
http://www.geocities.com/hotsprings/villa/3170/albuquerquemaia.htm
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