Agricultura orgânica na América Latina

Agricultura orgânica na América Latina

Conceição Trucom*

O intuito deste artigo é apresentar uma visão geral da agricultura orgânica nos principais países da América Latina, em termos de área, número de produtores, principais culturas e mercado potencial.

Inicialmente, para localizar a América Latina no contexto mundial, que mostra a distribuição dos 15,7 milhões de hectares manejados organicamente no mundo, segundo dados de uma pesquisa recente realizada pela Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM/ WILLER & YUSSEFI, 2001).

Atualmente, cerca de 40 mil produtores cultivam aproximadamente 3,2 milhões de hectares sob manejo orgânico na América Latina. Os países com as maiores percentagens da área total com agricultura orgânica são: Argentina, Costa Rica, Paraguai, El Salvador e Suriname. Em termos de número de produtores orgânicos o México aparece em primeiro, seguido do Brasil, Costa Rica, Peru e Argentina.

Vale lembrar que a América Latina tem uma tradição milenar de cultivo da terra, acumulando experiências, como a dos Incas e Astecas, que buscavam a interação com o meio ambiente sem acesso a insumos externos, capital ou conhecimento científico. Utilizando a autoconfiança criativa, o conhecimento empírico e os recursos locais disponíveis, os agricultores tradicionais da América Latina freqüentemente desenvolveram sistemas agrícolas com produtividades sustentáveis.

Preocupados com a crítica situação dos pequenos agricultores da América Latina, mais de 80 organizações desenvolvem projetos relacionados com a agroecologia. Uma das organizações mais expressivas é o Movimento Agroecológico Latino Americano (MAELA), que atualmente trabalha com mais de 15 países americanos. Segundo a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), o sistema é praticado em 20 países da América Central e Caribe e 10 países da América do Sul. Esta expansão está associada, em grande parte, ao aumento da demanda por produtos limpos ou livre de agrotóxicos, proveniente dos países desenvolvidos; pelo elevado custo de produção da agricultura convencional e baixo poder aquisitivo dos agricultores latino-americanos; e, pela busca de alternativas agrícolas sustentáveis que não degradem o meio ambiente, sejam economicamente viáveis e socialmente justas.

A Argentina é, atualmente, o país com a maior área certificada na América Latina, ocupando o segundo lugar no mundo, atrás somente da Austrália. Os dados mais recentes mostram que existem cerca de 1.400 produtores orgânicos certificados. Nos últimos 4 anos houve um aumento gigantesco da área certificada, passando de 287 mil em 1997 (FOGUELMAN & MONTENEGRO, 1999), para cerca de 3 milhões de hectares em 2001, o que corresponde a cerca de 1,7% da área total cultivada. Vale lembrar porém que cerca de 95% desta superfície corresponde a áreas de pastagens. Em relação aos produtos vegetais, o volume exportado, segundo dados da Câmara Argentina de Produtores Orgânicos Certificados (CAPOC), foi de aproximadamente 25 mil toneladas em 1999, sendo a maior parte (52%) de cereais e oleaginosas (girassol, soja, milho, trigo, linho); 31% de frutas frescas (maçã, pera, citrus, melão); 10% de hortaliças e legumes; 2% produtos animais e 5% de outros produtos (basicamente industrializados).

Em relação à exportação de produtos animais dois produtos se destacam, a carne bovina e o mel. Para finalizar, é interessante observar que a maior parte dos produtos orgânicos argentinos é exportada (85%), sendo 15% deles vendidos no mercado local. Dos produtos destinados ao mercado externo, cerca de 85% da produção vai para a União Européia e 15% para EUA e Japão, basicamente. O volume do mercado orgânico argentino está estimado em U$20 milhões anualmente.

No México a agricultura orgânica começou a crescer a partir do início dos anos de 1980. Entretanto, foi nos últimos 5 anos que o crescimento foi maior. Segundo TOVAR (2000), as áreas orgânicas certificadas passaram de 23 mil hectares em 1996 para cerca de 85 mil no ano 2000. Existem cerca de 137 zonas incorporadas ao movimento orgânico no México, cultivando cerca de 30 diferentes produtos, com destaque para o café (cultivado em cerca de 75% da área); hortaliças, incluindo tomate, pimenta, pepino, alho, etc. (10% da área); maças (5% da área); sementes de gergelim (4%); feijões e grão-de-bico (3%); e outros produtos em menor escala (3% da área) como amendoim, cana-de-açúcar, banana, abacate, cacau, manga, morango e outras ervas medicinais.

O México apresenta o maior número de produtores orgânicos da América Latina, cerca de 28 mil, divididos em dois grupos: pequenos produtores ligados a grupos de movimentos sociais, que representam 95% do total de produtores e grandes produtores ligados a grupos privados. Os pequenos produtores são responsáveis por 89% da produção orgânica mexicana e respondem por 78% da renda gerada com estes produtos. Em torno de 85% da produção orgânica mexicana é exportada, sobretudo para os Estados Unidos. O restante 15% é distribuído no mercado interno. Isto faz com que as principais certificadoras sejam estrangeiras. Para se ter uma idéia, aproximadamente 79% da certificação é realizada por agências estrangeiras, sobretudo por certificadoras americanas, como a Organic Crop Improvement Association International (OCIA) que acompanha 43% da área certificada. Segundo TOVAR (2000), o setor orgânico mexicano gera aproximadamente 8,7 milhões de empregos por ano e movimenta cerca de U$70 milhões anuais em exportações.

A Costa Rica é o terceiro país com o maior número de produtores orgânicos da América Latina. O número de agricultores passou de 1.300 em 1996 (GARCIA, 1997) para cerca de 3.676 em 2000. Uma característica que chama atenção é que a grande maioria das propriedades é pequena, sendo a produção orgânica desenvolvida numa área de 2,6 hectares em média. Atualmente, cerca de 0,4% da área total agricultável encontra-se no sistema orgânico. Os maiores volumes de produção são para os cultivos de banana, café, cana de açúcar e palmito. Entretanto, está bem desenvolvido o cultivo de hortaliças, citrus, mamão, manga, abacaxi, feijão e arroz.

A República Dominicana é uma pequena ilha no Caribe que se destaca pelo grande número de produtores orgânicos, cerca de 1.000, que produzem principalmente banana, cacau, café, abacaxi, manga e outras frutas tropicais. Em menor escala pode-se encontrar a produção de hortaliças.

O Paraguai conta atualmente com uma área em torno de 19 mil hectares sob manejo orgânico. Sua principal atividade no setor orgânico é a produção de soja, milho e açúcar orgânico para exportação. Também o Equador e o Brasil se destacam na produção do açúcar orgânico.

O Chile ainda apresenta um pequeno número de produtores orgânicos (200) numa área de aproximadamente 2.700 hectares. A produção, como em outros países da América Latina, é voltada basicamente para exportação, destacando-se a produção de frutas como o kiwi e outras consideradas nobres como a framboesa e o morango. Além disso, o Chile também exporta legumes orgânicos frescos e desidratados.

O café é um dos produtos orgânicos mais solicitados no exterior. Além do México, fazem parte do mercado de café orgânico a Colômbia, Bolívia, Nicarágua, Guatemala e El Salvador. A produção envolve um manejo conhecido como café sombreado, onde a cultura é associada à floresta. Paralelamente, estes países se destacam pela produção de frutas tropicais.

O Brasil ocupa atualmente a segunda posição na América Latina em termos de área manejada organicamente. Estima-se que já estão sendo cultivados perto de 100 mil hectares em cerca de 4.500 unidades de produção orgânicas. Aproximadamente 70% da produção brasileira encontra-se nos estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. Nos últimos anos o crescimento das vendas chegou a 50% ao ano. Os principais produtos brasileiros exportados são café (Minas Gerais); cacau (Bahia); soja, açúcar mascavo e erva-mate (Paraná); suco de laranja, óleo de dendê e frutas secas (São Paulo); castanha de caju (Nordeste) e guaraná (Amazônia).

Em síntese, os dados latino-americanos sobre a produção orgânica permitem que sejam feitas algumas considerações finais. A maioria dos países da América Latina não possui uma legislação eficiente que regulamente a produção e comercialização de alimentos orgânicos. Alguns países como o Brasil, Chile e Paraguai já iniciaram o processo de regulamentação. A Argentina, que hoje é o país mais desenvolvido no setor orgânico da América Latina, já estabeleceu seu regulamento em 1994. Também a Costa Rica já possui uma regulamentação nacional para a produção orgânica. O fato de não haver um processo legal na maioria dos países faz com que a produção para exportação seja certificada por empresas estrangeiras, sobretudo companhias americanas e européias. Este procedimento torna o custo de certificação muito alto e, em muitos casos, acaba sendo um entrave para a expansão do mercado.

Apesar de a maior parte da produção orgânica ser destinada à exportação, alguns países da América Latina apresentam um grande potencial para expansão do mercado interno, sobretudo por meio de feiras livres, lojas especializadas e supermercados, como é o caso do Brasil, Argentina, Chile, Equador, México e Uruguai. A venda em supermercados tem crescido substancialmente. Atualmente, podem ser encontrados produtos orgânicos em supermercados no Uruguai, Costa Rica, Honduras, Peru, Brasil e Argentina. Os produtos processados ainda são encontrados em menor escala, sendo um mercado promissor para a América Latina. Atualmente, a Argentina é o país com a maior produção de alimentos orgânicos industrializados: sucos concentrados, óleos, vinhos, chás, frutas secas, condimentos etc.

Em resumo, podemos dizer que a rapidez de expansão da agricultura orgânica na América Latina dependerá, entre outros fatores, de uma legislação eficiente adaptada às condições regionais de cada país, que garanta que o produto é orgânico; de processos de certificação mais eficientes e participativos, que considerem não só aspectos tecnológicos, mas também sociais; da organização dos circuitos de comercialização (agricultores, transformadores, distribuidores, fornecedores e consumidores); do apoio governamental por meio de políticas que apoiem e incentivem a conversão dos agricultores convencionais em orgânicos; além da valorização e investimento em centros de pesquisa, ensino e extensão, que permitam o resgate de conhecimentos dos agricultores tradicionais latino-americanos para impulsionar o sistema orgânico.

Fonte: Revista TodaFruta - edição 08.02.2006 - Colaboração especial de Moacir Roberto Darolt, Engenheiro Agrônomo, Doutor em Meio Ambiente e Pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). Email: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Bibliografia

DAROLT, M. R. As Dimensões da Sustentabilidade: Um estudo da agricultura orgânica na região metropolitana de Curitiba-PR. Curitiba, 2000. Tese de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Univ. Federal do Paraná/ParisVII. Página 310.

FOGUELMAN, D. & MONTENEGRO, L. Organic Production and Farmers in Argentina

INTERNATIONAL IFOAM SCIENTIFIC CONFERENCE, 12th, (1998: Mar del Plata). Proceedings... Mar del Plata: IFOAM, 1999. Páginas 45-50.

LERNOUD, P. Organic Trade in Latino America. In: Lockeretz, W. & Geier, B. (ed.). Quality and Communication for the Organic Market.

IFOAM TRADE CONFERENCE, 6th, 2000. Proceedings... Tholey-Theley, Germany: International Federation of Agriculture Movements, 2000.


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