Beatriz Medina *
Propuseram-me este tema. A princípio resisti. Mãe de cinco, três moças e dois rapazes, entre 15 e 30 anos, todos criados com dieta vegetariana naturista, encontro-me hoje numa estranha situação em que sou considerada a vilã da novela pelas três meninas (que optaram por uma alimentação comum) e como a melhor mãe do mundo pelos dois garotos (que, depois da rebeldia adolescente, voltaram a deixar de lado a carne e os excessos industrializados).
Ou seja, como mãe, ando perdendo de 3 a 2.
Mas, como hoje em dia todos são fisicamente saudáveis (e meu lado coruja diria: belíssimos), acho que não errei tanto assim, pelo menos na parte nutricional. E é disso que vou tratar.
Quando digo que criei meus filhos sem carne, é comum ser crivada de perguntas: as crianças não ficaram desnutridas? Fracas? Doentes? Sem proteína? Claro que não. Como não canso de repetir, além de nociva ao organismo humano a carne é desnecessária. Só entendo seu consumo em caso de total privação de alimentos vegetais — no inverno da Groenlândia, do Alasca ou da Sibéria, por exemplo — e, mesmo assim, como alimento de emergência.
Logo, acredito que nenhuma criança precisa de carne.
Pior ainda quando digo que criei meus filhos sem lhes dar açúcar. Coitadinhos! Nem uma balinha? Não. Nem um bolinho de aniversário? Bolo de aniversário sim, mas de mel (não sou vegana, lembram?) ou de açúcar mascavo. Nem um ovinho de Páscoa? Bom, ganhavam na escola, minha mãe também lhes dava imensos ovos de bom chocolate, mas ficavam na geladeira e iam sendo comidos aos poucos.
Criança nenhuma precisa de carne e de açúcar refinado. Essas coisas não são alimento.
Bom, depois desta introdução meio sem fôlego, vou entrar nos detalhes. Tratarei agora de como alimentei meus filhos quando bebês.
Como conselho preliminar, recomendo que, antes da criança nascer, procurem um pediatra que seja bem informado e conheça bem a nutrição vegetariana. Isso evitará atritos e permitirá uma atenção melhor aos problemas que surgirem com a criança, sem a desculpa boba “ah, ela está assim porque não come carne”.
Durante os primeiros seis meses, amamentei meus filhos (com exceção da mais velha, coitadinha; na época, eu ainda acreditava em pediatras alopáticos tradicionais e o que me atendia recomendou-me “complementar” a amamentação com leite em pó porque meu leite devia estar “fraco”, já que ela era muito magrinha — e olhem que isso foi antes de eu mudar minha alimentação, ou seja, eu comia carne três vezes por dia!).
Não acreditem nessa bobagem de “leite fraco”. Leite fraco não existe. Quando a mãe não se alimenta bem, o corpo tira de si mesmo tudo o que é preciso para que a criança seja bem nutrida; tira gordura dos tecidos, proteína dos músculos, cálcio dos ossos e dentes e mantém o leite completo. A mãe tem de estar num nível muito alto de desnutrição para seu leite ficar “fraco”.
Mesmo quando tive de voltar a trabalhar antes do bebê completar seis meses, não parei de amamentar. Acrescentei, antes dos seis meses mas sempre a partir do quarto mês, frutas: banana amassada, maçã e pera raladas, mamão amassadinho (mais ou menos nesta ordem). Tive a sorte de encontrar uma ama de leite maravilhosa para cuidar de uma de minhas filhas quando precisei voltar a trabalhar e ela estava com só dois meses.
A partir dos seis meses, além da fruta, acrescentava cereais integrais (arroz, aveia) muito bem cozidos — no caso do arroz e da aveia em grão, de quatro a cinco horas de cozimento em fogo muito baixo e com bastante água. Ah! Sem sal. Juntava, um a cada refeição, legumes picadinhos como cenoura, chuchu, batata-baroa (mandioquinha), inhame, abóbora. Ou então até mesmo banana ou maçã. Passava tudo na peneira, para não ficar “lisinho” demais. Se não tinha paciência ou tempo, usava o liquidificador, mas sempre amassava uma parte na peneira ou no garfo porque acho que a criança precisa se acostumar com a textura. Lisinho já basta o leite.
Lá pelos sete meses, passava a dar leguminosas, de preferência lentilha, cozida junto com o arroz ou em separado. Entre os feijões, escolhia o azuki, de grão pequenino e fácil de digerir. Também usava ervilha. Feijão preto e de cores eu dava mais tarde, lá pelos nove meses.
Também nesta época, entre os sete e os nove meses, começava a juntar verduras de folha à sopinha: couve, agrião, alface, espinafre, bertalha. Não costumava dar chicória, que é amarga e poucas crianças gostam. E colocava um pouco de azeite na sopa. Eu usava azeite cru; algumas gotas misturadas na sopa. Mas não fazia isso em todas as refeições nem todos os dias.
Ah! Enriquecia as sopinhas com suco de salsa crua: lavava bem, passava na peneira, misturava o suquinho com a sopa. É muito rico em vitamina C e sais minerais. Dá para fazer com outras folhas também, como coentro; já do agrião cru, muito rico e picante, as crianças não costumam gostar. E oferecia, entre as refeições, suquinho de laranja-lima, puro ou misturado com a papinha de fruta. Para quem tem centrífuga, suco de cenoura também é uma boa — só não exagere, porque pode deixar a criança meio amarelada! Eu fazia ralando a cenoura e espremendo num pano, mas dava trabalho demais.
Vocês podem notar que não dava ovo para os bebês. Nunca achei necessário.
Sempre fiz toda a comida dos meus bebês sem sal e sem açúcar. Só dei sal aos meus filhos depois de um ano e mesmo assim pouquinho (comemos muito pouco sal aqui em casa). A criança, assim, não fica com o paladar viciado.
Como a comida aqui em casa é muito simples (basicamente arroz integral cozido com água e pouco sal, feijão temperado com ervas, legumes, verduras e frutas cozidos ou crus), com um ano, quando nasciam os dentes, a criança já podia comer da nossa comida.
Tudo isso sem parar de amamentar, viu, pessoal? Só desmamei meus filhos (repito, com exceção da mais velha) por volta dos dois anos de idade.
Agora, conselhos de mãe (aceite ou não, fica a seu critério):
- Não faça cara feia quando der comida ao seu bebê. Se ele achar que você não gosta, não vai querer comer. Não pense: coitadinho, tem de comer esse troço horrível e sem sal. O troço não é horrível e você é que acha insosso, não a criança, cujo único parâmetro de comparação é o leite. Aliás, dulcíssimo; leite humano é muito mais doce que leite de vaca. Se duvida, prove.
- Se a criança não quiser comer, não se preocupe. Pular uma refeição não mata ninguém. O bebê terá mais fome na refeição seguinte.
- Se a criança nunca quer comer com a mãe, talvez seja porque prefere mamar. Aí talvez o melhor seja outra pessoa dar a comida.
- É preciso estar calmo e com vontade de dar de comer à criança. A refeição tem de ser prazerosa tanto para o bebê quanto para você! Quando a gente está estressado, irritado ou com pressa, é melhor que outra pessoa alimente o bebê. Se não houver outra pessoa, tome um chazinho, respire fundo, pense que o neném merece o melhor de você e tente esquecer os problemas nesta hora. Uma pessoa tensa deixa o bebê tenso (eles são muito mais atentos e sensíveis do que a gente pensa) e quem está tenso não consegue comer direito.
Acho que por enquanto está bom. Na próxima, falo das crianças maiorzinhas.
Comentários Conceição Trucom:
A proposta do meu livro sobre Alimentação Infantil (lançamento previsto para junho 2010) é basicamente a da alimentação crua e viva. Não porque pretenda que todas as crianças e pessoas adotem 100% essa dinâmica alimentar. Mas para que todos tenham referências e receitas, saudáveis e práticas, para serem inseridas no seu dia-a-dia, aumentando de forma singela a capacidade de nutrição, vitalização e digestão das células, sistemas e organismo.
Assim, acredito que esse texto-depoimento da Beatriz Medina, é super adequado como referência de um lindo e amoroso caminho do meio!
Com relação às decisões de nossos filhos quando crescem, só a eles pertencem. Não podemos ter comandos sobre nossos filhos, nem ninguém: amém! Todos nós trilhamos nossos caminhos, fazemos nossas escolhas, decidimos experimentar, viver nossa vida.
O mais importante é que enquanto sob nossa responsabilidade, lhes ofereçamos nutrição orgânica e afetiva verdadeiras. Que optamos pela qualidade em prol da praticidade do fast foods, congelados e industrializados. Em geral, a qualidade não anda de braços dados com a praticidade.
O mais importante é não sermos robôs, com as nossas vidas, nem com a de nossas crianças, repetindo condicionamentos culturais/familiares, achando que é "NORMAL" e "Inofensivo" oferecer não alimentos, que são ladrões de energia, de vitalidade e de saúde às nossas crianças!
Conheço muitos adultos, inclusive adolescentes, que sentem muita gratidão e respeito pelos pais (ou responsáveis) que lhes proporcionaram uma opção alimentar mais cuidadosa. Só quem os prepara sabe dar o devido valor.
E, conheço muitos adultos, crianças e adolescentes que visitam minhas oficinas, que lamentam terem sido negligenciados com excesso de bolachas, chocolates, balas, salgadinhos (leiam corantes e gordura trans), fast food etc. Lembram inclusive, algumas vezes com asco, dos potinhos da Nestlé. E afirmam boquiabertos: eu não sabia de tudo isso!
Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte.
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