Alimentação Crua e Viva
Antenado come CRU
Karla Monteiro *
A chamada alimentação viva, na qual nada se cozinha, atrai uma turma esperta que não pára de crescer.
As mãos de Mana Bernardes são ágeis. Todo santo dia, a designer de jóias as usa para criar peças cheias de personalidade que já foram parar no Chelsea Art Museum, de Nova York, e para lavar folhas de couve, de salsa, de repolho, de agrião, de rúcula, de serralha, de chicória, de beterraba. Logo que pula da cama, Mana começa a lidar com as verduras, os legumes e alguns punhados de sementes germinadas: lava tudo, põe no liqüidificador, bate, empurrando a mistura com a ajuda de um pepino, e, por fim, coa, usando um pano cheio de furinhos. As mãos espremem a massa verde até que jorre todo o suco num copo imenso. Só depois de sorver o líquido de cor apetitosa a moça se considera pronta para começar a tecer suas tramas delicadas do dia.
A rotina se repete há exatos oito anos. Aos 18, Mana, hoje com 26, descobriu a chamada alimentação viva, a mais nova febre entre os naturebas, assim como foi a macrobiótica nos anos 70. Ela virou uma das pioneiras da onda da comida crua por uma questão pessoal. Tinha apenas duas opções: encher a cara de remédios para controlar uma inflamação crônica no intestino ou partir para a autocura pela via alternativa. Mana preferiu, literalmente, botar as mãozinhas na massa.
Eu não acredito na doença. Acredito na saúde. Aprendi isso com a alimentação viva — diz, olhos brilhando, sorriso no rosto, sentada no charmoso jardim de sua casa, um sobrado de época em Santa Teresa. Comecei a tomar o suco por causa de uma crise. Fiz uma dieta só do suco da luz do sol por oito dias. Eu senti tanta energia que tinha vontade de sair dançando. A partir daí mergulhei nos crus.
A guru de Mana — e de toda uma turma de bem-nascidos que estão na toada da comida crua — chama-se Ana Branco, uma professora de arte e design da PUC-Rio que resolveu criar na universidade um curso de Bio-Chip, nome pomposo para uma culinária estranha, pelo menos à primeira vista. Na tarde de um sábado, último dia 2, Ana deu uma palestra para um auditório lotado de interessados — como o diretor de TV Ricardo Waddington — em aprender que diabos, afinal, é essa tal de alimentação viva. Não é tão fácil absorver o conceito. Cabelos grisalhos e jeito moleca, a professora começou o seu discurso distribuindo sementes de trigo para a platéia.
Segundo ela, uma sementinha como aquela é exatamente como um chip de computador: uma microembalagem recheada de silício, envolvido por uma molécula de água que armazena informação. Se o chip for cozido, a molécula de água se rompe e a informação se perde. O mesmo acontece com o trigo quando vai para a panela. A semente também é silício protegido por água. A Bio-Chip, então, prega um processo inusitado de preparação dos alimentos: em vez de cozinhar os grãos, a idéia é germiná-los para extrair deles todo o seu potencial nutritivo, toda a informação contida ali para gerar uma planta. E combiná-los com toda a variedade possível de frutas, legumes e verduras.
Ana faz arte com os alimentos. Seus alunos aprendem a exercitar a criatividade fazendo desenhos com tudo aquilo que é comestível na natureza.
— Quando damos água para uma semente, ela fica tão contente que bota um narizinho para fora. O grão germinado amplia o seu valor nutritivo em 20 mil vezes — anima Ana.
A professora que diz que não tem idade é só energia e analogias malucas que, pensando bem, fazem sentido. Ana associa o ato de cozinhar à guerra. Para início de conversa, ela lembra que o cozimento surgiu da necessidade dos guerreiros de amenizarem o cheiro de podre das comidas nos campos de batalha. E nós continuamos provendo guerra nos nossos corpos. Acompanhe o raciocínio: um alimento vivo é alcalinizante, obviamente. Cozinhar seria um processo de desnaturação e acidificação desse alimento, que, quando cai no estômago, aciona o sistema de defesa do organismo para combater uma substância chamada acrilamida, produzida pelo cozimento do amido. Tal substância gera dependência química e, por isso, temos tanta necessidade de pão com manteiga, em vez de desejar trigo germinado.
Quanto mais ácido o sangue, mais necessidade de comer porcarias. À medida que o corpo é purificado, os vícios, como o de açúcar, desapareceriam.
Ana criou o curso de Bio-Chip há 14 anos. No início, as aulas atraíam 15 pessoas. Hoje, as turmas têm em média 100 interessados.
— Tudo o que a sociedade faz é com o paradigma da guerra. Como vai fulano? Está na luta. Ah, minha mãe é uma guerreira. Não tem como ter paz se vivemos numa guerra — diz a professora.
— As pessoas gastam toda a sua energia vital se defendendo de uma comida que o organismo pensa que é invasor. A proposta é partir para a alcalinização do corpo. Um ambiente alcalino é um ambiente criativo.
Maluquice ou lucidez, Ana vem arrebanhando uma turma bacana do Rio. O casal Lula Buarque de Holanda, cineasta, e Letícia Monte, empresária e irmã de Marisa Monte, está doutrinado. Moradora da Gávea, Letícia fez o curso na PUC e já se aventurou no The Tree of Life Rejuvenation Center, a meca da alimentação viva, uma espécie de spa espartano no Arizona, nos Estados Unidos. A moça garante que foi natural entrar na barca. Aos 42 anos, é veterana das experimentações alimentares. Com 12 anos, caiu doente depois de um churrasco e parou de comer carne. Quando fez 15, conheceu a macrobiótica. O namorado da irmã Lívia era adepto e apresentou à família Monte a culinária natural. Na época, a rotina da casa passou a incluir alimentos integrais. Em 89, Letícia foi estudar nos Estados Unidos e virou fã de alimentos orgânicos, uma prática que começara timidamente no Rio. Na volta, resolveu entrar no ramo da comida. Tornou-se sócia do Ateliê Culinário, onde, apesar de servir sanduichinhos nada naturais, preocupava-se em introduzir a filosofia dos orgânicos. Agora está apaixonada pela Bio-Chip.
- Comer é uma maneira de se conhecer, de refletir sobre o mundo — acredita.
- Comer é uma questão ambiental, de respeito pela vida e, claro, social. Se faço um jantar em casa, preparo opções para todo mundo. E, quando viajo, sempre me viro bem.
* Revista O Globo em 17/08/2008
Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações, citada a autoria e a fonte.
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