Jornais e Revistas
A pequena escola da "curtição"
Conceição Trucom*
A capacidade de sentir prazer, de "curtir", é inata e acompanha nossa história do desenvolvimento. E, não é apenas uma possibilidade do organismo para premiar e reforçar bom comportamento, mas uma dádiva da natureza podermos sentir a gratidão e alegria pela vida.
A alegria de viver, passível de ser sentida por qualquer ser vivo, tem uma importante função. Ela pode encorajar a enfrentar o dia com coragem, e ajuda também a superar fases difíceis da vida. Filósofos gregos como Aristipos (± 435-360 a.C.), Demócrito e Epicuro criaram, juntamente com o hedonismo, uma teoria segundo a qual a busca do prazer é ou deve ser determinante das atitudes humanas e que a "medida certa" deve ser procurada com alegria e prazer.
A natureza nos deu a capacidade de sentir alegria com uma região especial no cérebro. Essa região está em comunicação com muitas outras, de modo que bem poderia ter uma função de comando. Experimentadores acreditam que aqui pode ser encontrada a correlação orgânica daquilo que é essencial para todos os seres vivos: a alegria de viver. A falta da alegria, sabemos, pode levar à resignação, à depressão e até mesmo ao cansaço da vida. A alegria de viver, então, não aumenta apenas a qualidade de vida, pode mesmo ser essencial para a sobrevivência.
Prazer e vício
Drogas como morfina, cocaína, heroína e álcool provavelmente podem influenciar o centro do prazer. As sequelas dessa forma de estímulo artificial da alegria são geralmente fatais e levam facilmente à dependência porque as vias de ação naturais do centro do prazer são destruídas. Após a abstinência de drogas, geralmente aparece falta de vontade, que pode se elevar até graves sinais, que depois são novamente "terapeutizados" por dependentes. Dessa maneira, fecha-se o círculo vicioso que finda na dependência permanente.
No caso de alcoólatras e dependentes químicos, observa-se uma decrescente capacidade para captar e vivenciar o prazer. A busca do prazer fica restrita à busca da substância do vício. Não estão mais disponíveis outras possibilidades construtivas e sadias para o prazer e a alegria de viver. Muitas vezes, pacientes viciados são acusados de uma atitude de vida "desvairada", "gananciosa". Na realidade, o que se verifica é uma incapacidade para criar situações ativamente e delas desfrutar com alegria e prazer.
A escola do prazer
Quem não sente prazer torna-se insuportável. Essa expressão reflete a drástica realidade de muitas pessoas doentes física e emocionalmente, pois observa-se, com frequência, em pessoas depressivas e com distúrbios psíquicos, uma falta de realização e de ação "eutímica". Por realização e ação "eutímica", o psicólogo Rainer Lutz (*), do Instituto de Psicologia da Universidade de Marburg, entende tudo aquilo que faz bem à "alma". Aqui se trata de querer perceber e usufruir ativamente. No entanto, só é possível responder isoladamente, por exemplo, à pergunta, porque o distúrbio depressivo foi causado por uma deficiência de vivências e ações eutímicas. Logicamente também pode acontecer o contrário, que a depressão leve à falta de prazer e de alegria de viver. Em todo caso, o risco é maior em pessoas deprimidas que não aprenderam a procurar ativamente experiências alegres e prazerosas da VIDA. A depressão e outros distúrbios psíquicos, segundo a experiência, podem ser melhorados quando a capacidade para realização e ação eutímica aumentam.
Mas não só em doentes se verifica uma insegurança ou ausência da vivência eutímica. Isso não é de causar espanto, pois onde é que se pode aprender a arte ensinada do "verdadeiro prazer"? Nas escolas, procura-se inutilmente essa disciplina nos currículos. Portanto, não é de se admirar que aqui surjam deficiências ou ocorram abusos que são causados pelo excesso de ofertas em nossa sociedade de supérfluos.
Para a melhoria da capacidade de sentir de maneira positiva a alegria e o prazer, os psicólogos Eva Koppenhõfer e Rainer Lutz (**) desenvolveram um programa de terapia para a edificação de experiências e atitudes positivas. As seguintes "regras do prazer", são úteis em exercícios de grupo e devem ser praticadas diariamente. Elas não têm somente um fim terapêutico, podendo exercer sua influência sobre todos, como um estímulo para um estilo de vida mais prazeroso:
1. O prazer requer tempo: Para realmente poder "curtir", são necessários tranquilidade e um pouco de tempo. Isso é treinado quando cada objeto é estudado minuciosa e detalhadamente: cheiro, forma, textura, sabor, emoção que desperta, etc. Reservar, conscientemente, tempo para atividades como banho, passeios, olhar pela janela, ir à sauna, praticar esporte. Gratidão e Riso: é preciso dispor de tempo (ainda que pequeno), organizá-lo e estabelecer prioridades pessoais.
2. O prazer é permitido: Muitas vezes o prazer é rejeitado por julgamentos negativos e por "tabus ao prazer"; por exemplo: "Sem dedicação não há recompensa"; "parar significa mofar"; "excessos são raros sucessos"; "tudo que faço tem um alvo"; "cheirar uma rosa é perda de tempo". Gratidão e Riso: é importante descobrir e ser capaz de desfrutar nossos prazeres cotidianos.
3. O prazer requer consciência: Um verdadeiro prazer requer atenção consciente para o fato em curso; por exemplo, não se pode provar completamente o sabor de um bom prato assistindo a um filme. Por isso se almeja a concentração no prazer em curso "ofuscando" outras atividades. Gratidão e Riso: entregar-se conscientemente ao prazer, eliminando tanto quanto possível as distrações e não se deixar dispersar com pré-ocupações.
4. O prazer tem diferenças individuais: Preferências são muito pessoais, tanto que "gosto não se discute". Mas também em relação a toda a vida, gostos não permanecem os mesmos, de sorte que é favorável uma atitude franca, aberta. Gratidão e Riso: descobrir as próprias preferências, em que não deveria ser levada em conta a opinião alheia.
5. Menos é mais: Em plena era do consumo, o comando é: conseguir o máximo de uma experiência ou de uma situação, para potencializar o prazer. No entanto, essa atitude leva à diminuição da capacidade de sentir prazer porque as múltiplas e requintadas facetas de um prazer não podem mais ser notadas. Quando, por exemplo, um copo de vinho é "esvaziado" em vez de sorvido aos goles, não será possível uma degustação requintada. Lembrando que o excesso de oferta também pode levar ao fastio e à refutação, de modo que um prato ou bebida prediletos não devem ser um vício. Gratidão e Riso: o prazer exige concentração que é prejudicada pelo excesso de oferta.
6. A experiência favorece a capacidade de sentir prazer: Sentir prazer pode ser aprendido e é fomentado por experiências repetidas. A vivência de uma música pode ser treinada pela educação dos ouvidos, da mesma forma que a observação de um jardim também pode ser desenvolvida pela educação da observação. Uma ajuda no desenvolvimento dos sentidos pode ser a de enumerar o vivenciado em seus mínimos detalhes e nuanças, trocando as experiências com outras pessoas. Gratidão e Riso: como a percepção do prazer depende de nuanças, os 5 sentidos devem ser adestrados por meio de exercícios sensoriais.
7. O prazer faz parte do cotidiano: Frequentemente o prazer só é buscado em situações inusitadas e em ocasiões especiais. Mas possibilidades para o prazer se oferecem em (quase) todas as situações do cotidiano, de sorte que, por exemplo, uma mesa bem posta para a refeição matinal podem muito bem ser vivenciado como prazer, se eu me disponho a isso. Gratidão e Riso: vale reconhecer a oportunidade única do momento no cotidiano e descobrir a alegria e o belo que nos rodeia.
Depois que essas "regras" se tornam mais familiares, pela prática, geralmente se alcança nova atitude interna, que aceita o prazer e a alegria de viver e que visa a uma perspectiva e ações construtivas. Então é também importante despojar-se de uma "sabotagem" do tipo "oito ou oitenta". Em situação difícil, e por ocasião de fatos tristes, é possível ao mesmo tempo viver algo de positivo, agradável e prazeroso. Não se trata de reprimir o luto e outras dificuldades emocionais pela abertura para a alegria. Muito mais, durante uma crise a alegria também pode atuar como compensação, com o que a elaboração de problemas emocionais é propiciada, podendo ser elaborada a esperança.
Alimentar-se com prazer
Estas “regras do prazer” são aplicáveis, com sucesso, em muitos distúrbios que reduzem enormemente a qualidade de vida e sua significância. Um exemplo bem colocado é o de pessoas com problema de peso. Elas muitas vezes são acusadas pelo "vício do prazer".
Especialmente no que se refere aos hábitos alimentares, a busca pelo prazer fica sob suspeita e e pode prejudicar a saúde em todos os aspectos da vida. Mas, em melhor avaliação, constata-se que pessoas com problema de peso na maioria das vezes não são degustadoras nern apreciadoras. A comida para elas está tão relacionada a problemas e culpa, que resta pouco lugar para o prazer. Em muitas pessoas com excesso de peso, por exemplo, encontram-se hábitos alimentares deturpados, que oscilam entre repressão do apetite e compulsão para "encher" o estômago.
Assim, se este é o seu caso, releia as “regras do prazer” buscando melhorar os “desvios” dos hábitos alimentares. Por exemplo: na regra 1, não coma sob pressão do tempo. Na regra 2, a vivência do sabor requer consciência, ou seja, não se distraia assistindo TV ou conversando durante as refeições ou lanches. Na regra 3, abandone preconceitos e regras familiares. Na regra 4, saborear com consciência e curtição irá certamente reduzir a quantidade. E assim vá construindo o espaço de “curtição”, gratidão e riso nos momentos prazerosos de sua alimentação diária.
Texto extraído e adaptado por Conceição Trucom do livro Rir, Amar e Viver Mais - Dietmar Ohm - Editora Paulinas
Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações e citada autorias e fontes.
(*) Rainer Lutz - Euthyme Therapie. In: Margraf, J. (Org.) Lehrbuch der Verhaltenstherapie, Band 1. Berlin, Heidelberg: Springer, 1996
(**) Eva Koppenhõfer e Rainer Lutz - Therapieprogramm zum Aufbau positiven Erlebens und Handelns bei depressiven Patienten. Manual. Weinsberg: Weissenhof-Verlag, 1984
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