Educação
Uma história que considero exemplar
Conceição Trucom *
Com frequência me perguntam: você é 100% vegetariana? É 100% crudívora? Sempre foi vegetariana? Sempre respondo: a jornada é pessoal e intransferível. As referências externas ajudam, mas o dia a dia é o que vale. E, às vezes parece que estamos distante, mas isso é uma ilusão.
A maior distância é a de nós mesmos. Para chegar onde estou, muitos desafios e conquistas aconteceram e, seguem acontecendo. Sempre superando, pelo desejo de proximidade de mim mesma, a única forma de estar verdadeiramente próxima dos que me cercam...
É desafiador iniciar hábitos saudáveis de vida, mas também mantê-los, pois o universo que nos cerca é bastante doentio. Mas, é importante reconhecer onde você está e, valorizar (agradecer) as decisões e passos assertivos que te fazem avançar. Minha sugestão é sempre: comece! Mas, a força do comprometimento é preciso que seja visceral, muitas vezes buscando as nossas origens e memórias.
Esse texto faz parte do meu livro De Bem com a Natureza (Alaúde) sobre Alimentação Crua e Viva para Crianças (de todas as idades). O propósito dele é dar meu depoimento (e reconhecimento) de como a forma de educar dos pais, dos responsáveis e educadores pode fazer grande diferença.
Vários fatos e circunstâncias colaboraram por esta minha conexão maior com a alimentação natural. E, acredito possam ser bons exemplos, formas, ações, de aumentar a conexão das nossas crianças com a natureza, os alimentos do reino vegetal, com o Ser ecológico que habita e vive no coração de todos nós.
Penso ainda que para mudar os hábitos alimentares de uma criança, de qualquer idade, jamais se deve inicar pela cozinha ou sala de refeições. Pela refeição já preparada, prato na mesa e um jogo de braços... Minha dica de sucesso é: comece pelo campo, contato com a natureza, com atitudes ecológicas!!!
Assim, vivenciando tais práticas, tenho certeza que haverá uma facilitação para a chegada delas na ‘cruzinha’ e na alimentação mais natural e saudável.
1- Quando eu era criança (tipo 2-3 anos pois não lembro perfeitamente de tudo) chorava se minha mãe não me levava junto com ela para a feira-livre semanal do bairro que morávamos, no Rio de Janeiro. O mérito da minha mãe foi o de me escutar, ser minha cúmplice nesta manifestação espontânea de uma criança. No final, apesar do trabalho e responsabilidade de me levar para a feira, ela se sentia recompensada pelo tanto que ela se divertia com os shows que dava.
Tocava em tudo, queria saber o nome de tudo, o sabor de tudo. Os feirantes se divertiam e se encantavam com a alegria e lambança que fazia ao experimentar e “querer mais” aquelas frutas que mais gostava.
2- Fui neta do meu avô materno Manuel, português de Coimbra, que vivia da terra. Chegou no Brasil aos 19 anos, recém casado com minha avó Belmira e comprou uma chácara em Nilópolis (na época uma zona rural do Rio de Janeiro) com horta e pomar. Ir todos os domingos visitar meu avô era divertido. Lá eu comia frutas debaixo do pé, aprendi o nome e a reconhecer todas as frutas, ervas e legumes. E ainda levávamos para casa as frutas que nós colhíamos para consumo ao longo da semana.
3- Meus pais curtiam cozinhar para mim e meu irmão. Eles liam livros sobre alimentação e vegetarianismo, queriam nos ofertar o que havia de melhor. Lógico que éramos meio cobaias, mas estar com eles na cozinha, ajudando, participando dos experimentos, compensava e muito: são boas lembranças.
4- Depois, quando eu tinha uns 5 anos, nos mudamos para a Ilha do Governador, na época pouco habitada, basicamente por pescadores e famílias que podiam ter um carro. Nossa casa tinha muito quintal e nós íamos com frequência na Universidade Rural do RJ, em fins de semana, para comprar plantas, principalmente frutíferas, para plantar em nosso quintal. Aproveitando estar lá, bem distante de nossa casa, fazíamos pic-nics lá mesmo, colhendo muitas frutas no pé. Lembro que uma vez fiquei doente de tanto comer tamarindo.
5- Aos 9 anos pedi aos meus pais um cantinho de terra ao lado de um muro, para fazer a minha plantação. Eles deixaram. Me ajudavam a conseguir mudas, mas no resto era eu quem cuidava. Basicamente couve, tomate cereja, salsa, cebolinha, hortelã e guando. Como a plantação era singela e a colheita pequena, só eu a comia. Mas era salada fresca todo santo dia de deus.
6- Na minha rua tinham muitas casas e amigos. E nós virávamos todos bicho de fruta, cada época na casa de um. Na casa da Valéria tinha muito pé de goiaba, na do Cabelinho tinha carambola, na do Marcelo amora, na do Henrique cajá-manga e na minha casa côco, manga, abricot, cana, romã, limão cravo, laranja bahia e um monte de frutas raras compradas na Universidade Rural.
7- Na época das férias minha mãe fazia o convite para a criançada da rua: vamos comer fora hoje? SIM! O convite significava cada um levar algo –frutas- de sua casa e fazer aquela saladona de frutas. A confecção e a refeição? Pic-nic no quintal, ou seja, do lado de fora, hehe!
8- Nas férias de final de ano meus pais sempre tiravam uns dias para irmos para um hotel fazenda – na região das águas – onde convivíamos cara-a-cara com a natureza, os animais e as plantações. Eu vivia nos pomares e hortas de todos eles.
Mas hoje, existem crianças que crescem sem ter mexido na terra, ver alimento no pé, colher ou mesmo provar um alimento cru. Nem sabem descascar uma laranja, chupar de chupeta. E isso repercute diretamente na educação alimentar das crianças de hoje, que passam a não se interessar por frutas e vegetais, pelo simples fato de não terem interagido, brincado, experimentado com a diversidade dos frutos da natureza.
Muitos podem se defender dizendo: mas isso tudo foi há muito tempo atrás (tipo 50 anos) ou tem que ter poder aquisitivo... Não, não, não e você sabe muito bem que não!
Meus pais eram pessoas vindas de famílias absolutamente pobres e, acredito piamente que foi justo a lucidez, a determinação por algo melhor e maior que os tornou o que são durante e após a criação dos seus filhos. Eles cresceram junto conosco, seus filhos e nós crescemos junto com eles, nossos pais: por nós, por eles, para nós e para eles!
Fundamental ler: O Ser Ecológico vai à feira I - As Frutas
Leia também: Aonde vamos com essa mania de proteína?
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Reprodução permitida desde que mantida a integridade das informações e citadas a autora e a fonte: www.docelimao.com.br
* Conceição Trucom (Instagram: @conceicaotrucom) é química, pesquisadora, palestrante e escritora sobre temas voltados para alimentação natural, bem-estar e qualidade de vida. Possui 10 livros publicados, entre eles O Poder de Cura do Limão (Editora Planeta), com meio milhão de cópias vendidas, Mente e Cérebro Poderosos (Pensamento-Cultrix) e Alimentação Desintoxicante (Editora Planeta).
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