Farofa Literária
COCO de RODA & COCO de EMBOLADA
Guilherme Trucco *
São praticamente infinitas as definições do Coco, começando pela origem do nome. Uma teoria aceita, é a de que o Coco de Roda teria surgido nos terreiros onde se utilizava tamancas de madeira para quebrar a casca dos cocos. Para auxiliar no trabalho, cantavam-se versos e cantigas improvisadas, formando uma verdadeira roda, na melhor tradição indígena.
Assista o Episódio 03 AQUI
Outra linha teórica (a minha preferida) estaria mais ligada ao coco de embolada, os desafios de repentistas, onde o termo “coco” seria a cabeça, de onde saíam as improvisações de versos e rimas feitos para ganhar a plateia e fazer chacota do adversário. Como bem argumenta Mário de Andrade, o coco pode ser muitas coisas...
“Antes de mais nada convém notar que como todas as nossas formas populares de conjunto das artes do tempo, isto é cantos orquésticos em que a música, a poesia e a dança vivem intimamente ligadas, o coco anda por aí dando nome pra muita coisa distinta. Pelo emprego popular da palavra é meio difícil sabermos bem o que é coco. O mesmo se dá com “moda”, “samba”, “maxixe”, “tango”, “catira” ou “cateretê”, “martelo”, “embolada” e outras. Coco também é uma palavra vaga assim, e mais ou menos chega a se confundir com toada e moda, isto é, designa um canto de caráter extra-urbano. Pelo menos me afirmou um dos meus colaboradores que muita toada é chamada de coco.” Mário de Andrade, Os Cocos
De forma bastante geral, pode-se dividir os Cocos em dois campos:
- O Coco de Roda, ou Coco dançado, e
- O Coco de Embolada, ou disputa.
Os tamancos usados no Coco de Roda
Se por um lado o coco de embolada busca nas rimas e dificuldades linguísticas sua riqueza, o coco dançado busca versos mais simples, com a presença de coros e repetições, abrindo assim um maior espaço para a dança e corporalidade. Como comenta Maria Ignês Novais Ayala em Os Cocos – Manifestação cultural em 3 momentos do século XX:
“Já nos cocos que motivam e acompanham indissociavelmente a dança, a poesia não obedece aos mesmos cânones de composição. Não estão alicerçados na disputa que granjeia a preferência do público ora para um, ora para outro poeta repentista. A ironia e o grotesco tal qual se desenvolvem nos cocos de embolada apenas cantados ao acompanhamento de pandeiro não são caracterizadores dos cocos cantados durante a dança. Na brincadeira do coco há ironia, há ambiguidade, há momentos de crítica social, mas a construção dos versos e o sentido da poesia é diferente. A poesia, neste caso, configura-se como um dentre vários elementos indispensáveis para o canto e a dança. Nos cocos dançados predomina o coletivo: para que haja a dança é preciso gente para (a)tirar os cocos e para responder dentro da roda de dançadores, gente que toque os instrumentos, gente que saiba os passos que caracterizam a dança e esteja disposta a entrar na roda.”
Como representantes clássicos do Coco de Roda, temos Selma do Coco, Dona Glorinha do Coco, Mestra Totinha, Coco Raízes de Arcoverde e o Coco do Amaro Branco. Já como representantes da embolada, temos Mestre Galo Preto e seu irmão Mestre Preto Limão, além da renomada dupla Caju e Castanha.
Uma referência técnica para quem desejar saber ou estudar mais: https://www.acervoayala.com/category/publicacoes/cocos-alegria-e-devocao/
Vamos aos cantos e emboladas:
TRADICIONAL
Na beira da praia mora um cidadão
Na beira da praia mora um cidadão
As meninas lhe pede um aperto de mão
ela pede eu dô
um aperto de mão
Catolé
Catolé é doce que só mel
mas a casca é amarga que só fel
meu cumpadi
tome catolé
minha cumadi
tome se quisé
eu tomei uma chicara de café
não tirei o amargo do catolé
meu cumpadi
tome catolé
minha cumadi
tome se quisé
Bumba chora
Qualé bumba hora, haha
chora meu bumba
eu vou pra itapissuma
aprender a lê e a tocá zabumba
meu zabumba é de macaiba haha
chora meu bumba
eu vou pra itapissuma
aprender a lê e a tocá zabumba
Cordão de ouro
Cordão de ouro açucena
menina roxa é morena
pode levar, tenho medo
pra me deixar, tenho pena
Cordão de ouro amarelo
no pescoço das morena
pode levar, tenho medo
pra me deixar, tenho pena
Minha mãe quando me dava
eu anoiteço em terra
eu amanheço no mar
minha mãe quando me dava
eu passava a noite a chorar
Chove chuva miudinha
Oi chove chuva bem miudinha
Chove chuva bem miudinha
Na aba do meu chapéu
Na aba do meu chapéu
SELMA DO COCO
A Rolinha
Eu vi um sapo correndo de lá
A menina que chorou
Quando olhei prá gaiola eu vi
A minha rola que voô
Oi pega, pega, pega!
Pega, pega a minha rola
Hei! corre, corre, corre!
Pega, pega a minha rola
Oi pega, pega, pega!
Pega, pega a minha rola
Areia
Lá no mar tem areia
(Areia)
Areia no mar
(Areia)
Que Areia boa
(Areia)
Pra gente peneirar
Quando eu pensava que era um
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era dois
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era três
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era quatro
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era um
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era dois
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era três
(Era um babado só)
Quando eu pensava que era quatro
(Era um babado só)
Ô moreninha do dente de ouro
Ô moreninha do dente de ouro
Parece um tesouro a boquinha dela
Se eu pudesse e tivesse dinheiro
Eu ia à Barreiro e casava com ela
Ô moreninha do dente de ouro
Parece um tesouro a boquinha dela
Se eu pudesse e tivesse dinheiro
Eu ia à Barreiro e casava com ela
Ô moreninha do dente de ouro
Parece um tesouro a boquinha dela
Se eu pudesse e tivesse dinheiro
Eu ia à Barreiro e casava com ela
Eu vou pra Olinda
Eu vou pra Olinda
Ver o farol que tem lá
Menina quando eu passar
Lá no Arte da Coleira
Levo um cordão de menina
Pra tomar banho de mar
Minha história
Há trinta anos passados
Morava em mustardinha
No meio de tanta gente
Não conheceram selminha
Hoje eu moro em olinda
O povo me adotou
Me chamam rainha do coco
O povo é meu amor
Odete
Ó, Odete, eu quero falar com você.
Ó, Odete, eu quero falar com você
Odete, eu vou-te falar.
Odete, eu vou-te dizer:
a mulher que é falsa ao homem
tem que passar fome e aprender
Odete, eu vou-lhe falar.
Odete, eu vou-lhe dizer:
a mulher que é falsa ao homem tem
que passar fome e aprender
Ó, Odete, eu que te dizer
Odete, eu vou te falar:
a mulher que é falsa ao homem
tem que passar fome e apanhar
Ó, Odete, eu que lhe dizer
Odete, eu vou lhe falar:
a mulher que é falsa ao homem
tem que passar fome e apanhar
Nossa senhora aparecida
Até quando me encontro
Só eu sei que não estou sozinha
Tem sempre uma luz maior
Iluminando o meu caminho
É vida pra quem quer viver
É fonte que desagua amor
Santo Antônio
Ô na noite de Santo Antônio
Um caso me aconteceu
Tava no barco e virou
Os peixe todo perdero
Quem comprou foi mocinho
Pelo preço regular
Xaréu, peixe arabaiana,
Cavala preta ou pirá
MESTRA TOTINHA
Dona Maria
Que mulher danada era a Dona Maria
(Saía de noite, chegava de dia)
Dona Maria rodou Pernambuco inteiro
Dançando coco, carimbó e baião
Mulher danada, nunca vi tão forrozeira
Que só gosta de dançar batendo palma de mão
Que mulher danada era a Dona Maria
(Saía de noite, chegava de dia)
Dona Maria hoje vive tão caseira
Mas com certeza tanto coco já brincou
Hoje ela mora numa casa de reboco
Ela só vive de lembranças nos braços do seu amor
Que mulher danada era a Dona Maria
(Saía de noite, chegava de dia)
De vez em quando lhe bate uma saudade
Daqueles tempo que passou, não volta mais
Hoje ela vive numa sala de coco
É um passo pra frente e um passo pra trás
Rabo de Pavão
Uma velha assanhada me contou
Numa noite de São João
Que o marido pra ela comprou
Uma saia de rabo de pavão
Eu vi Dona Li Coiteirão
(Com uma saia de rabo de pavão)
Maquinista, motorista e chofé
Que só falta perder a direção
Quando vê essas mocinha de hoje
Vestindo uma saia de pavão
Eu vi Dona Li Coiteirão
(Com uma saia de rabo de pavão)
RAÍZES DE ARCOVERDE
Abelha Aripuá
Subi no olho da arueira
Para tirar uma abelha
Que se chama aripuá
Ela não ferroa
Só enrola no cabelo
Com aquele zuadeiro
Fazendo "chuá"! " chuá"!
Você diz que é valente
E que sabe trabalhar
Eu quero ver você tirar
Essa abelha aripuá
Ela disse assim
Mas você não se aveche
Que essa abelha só presta
Pra fazer o saburá
O Canto do Uirapurú
O canto do uirapuru
Tem um grande segredo
Ele canta na mata
Em cima do arvoredo
Tem o pássaro sabiá
Canta o galo de campina
Tem o velho curió
E o xexéu de bananeira
O canto do uirapuru
Deixa a mata em silêncio
Com seu cantar de ouro
Esse pássaro é diferente
O canto do uirapuru
É um canto tão bonito
Quando ele canta na mata
De longe se vê o tinido
Roseira, oh Rosá
Oh! roseira, oh! rosá
Menino eu vou te dizer
Oh! roseira, oh! rosá
Como eu queira lhe contar
Oh! roseira, oh! rosá
Estava em casa deitado
Oh! roseira, oh! rosá
Pra que mandou me chamar
Oh! roseira, oh! rosá
Balança a rede do menino, pra fazer tururu
Tururu, tururu, tururu, tururu
É pra tornar a balançar, pra fazer tarará
Tarará, tarará, tarará, tarará
É do moleque de maçu, pra fazer tururu
Tururu, tururu, tururu, tururu
É do moleque de maçu, pra fazer tarará
Tarará, tarará, tarará, tarará
Menino eu dei um pulo
Oh! roseira, oh! rosá
Por cima da ligeireza
Oh! roseira, oh! rosá
Eu quebrei tamborete e mesa
Oh! roseira, oh! rosá
Cadeira de balançar
Oh! roseira, oh! rosá
Balança a rede do menino ....
Minha mãe me deu uma pisa
Oh! roseira, oh! rosá
Com molambo de rudia
Oh! roseira, oh! rosá
Eu achava tanta graça
Oh! roseira, oh! rosá
Quando o molambo subia
Oh! roseira, oh! rosa
Não brinco mais
Nesse coco eu não brinco mais
Por que as menina manga
Eu cantei no juazeiro
Eu cantei no ceará
Eu cantei em arcoverde
No recife vim brincar
Se eu fosse rico
Ganhasse muito dinheiro
Fazia uma mansão
De mulher pra namorar
Como eu não posso
Vou sair daqui pro norte
Só volto daqui do norte
Quando as coisas melhorar
Eu cantei com o cordel
Com o cordel eu vim cantar
Cantei com lula calixto
Pra festa nós animar
Eu saí muito contente
E fui brincar no salão
O povo de lá gritava
Chegou o seu damião
(*) Guilherme Trucco é escritor paratiano, sua obra é inteiramente dedicada a explorar a cultura popular da brasilidade, e seus desdobramentos profundos, através de uma literatura ficcional voltada para o Realismo de Encantaria, uma mistura à brasileira de realismo mágico, realismo animista e o surrealismo. É autor dos livros de ficção: Saída Bangu, Vocês vão ter que me engolir, e Nó na Garganta, além de ser colunista no portal Ludopédio.
Seu Blog: https://www.guilhermetrucco.com e seu Instagram: @gui_trucco
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* Conceição Trucom (Instagram: @conceicaotrucom) é química, pesquisadora, palestrante e escritora sobre temas voltados para alimentação natural, bem-estar e qualidade de vida. Possui 10 livros publicados, entre eles O Poder de Cura do Limão (Editora Planeta), com meio milhão de cópias vendidas, Mente e Cérebro Poderosos (Pensamento-Cultrix) e Alimentação Desintoxicante (Editora Planeta).
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