Por: Marybeth Gallagher, RN
Revisão: Alexandra Sanfins, Ph. D.
Em: 16 de fevereiro de 2022
Uma boa noite de sono é essencial para uma boa saúde física, desempenho cognitivo e funcionamento emocional. Numerosos estudos do sono documentaram esses fatos ao longo do tempo.
Cada vez mais adultos estão tomando preparações de melatonina sem receita para ter uma noite de sono melhor, mas alguns deles podem estar tomando essa substância em níveis perigosamente altos, segundo um novo estudo.
Especialistas temem que o efeito negativo no sono em decorrência da pandemia tenha aumentado ainda mais a dependência da melatonina e de outros auxiliares para dormir.
Em recente estudo realizado por pesquisadores do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) obtiveram dados abrangendo os anos de 1999 a 2018. Este estudo incluiu 55.021 adultos, 52% dos quais eram mulheres. Os participantes tinham idade média de 47,5 anos.
Os resultados mostraram que, em 2018, os adultos nos Estados Unidos tomaram mais que o dobro dessa ajuda para dormir comparado com a década anterior, o que pode representar um risco à saúde de alguns indivíduos.
O estudo revelou que o uso de melatonina aumentou de 0,4% em 1999–2000 para 2,1% em 2017–2018, com o aumento começando em 2009–2010.
O estudo foi publicado no Jornal da Associação Médica Americana (JAMA) sendo o principal autor o Dr. Jingen Li, Ph. D., da Universidade de Medicina Chinesa de Pequim.
Nota do tradutor:
No Brasil, a Melatonina popularmente conhecida como "hormônio do sono", teve a comercialização liberada recentemente em 15.10.2021 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mas médicos têm pedido cautela.
Ainda em 14/10/2022 a ANVISA autorizou Melatonina na forma de suplemento alimentar destinados exclusivamente a pessoas com idade igual ou maior que 19 anos com consumo diário máximo de 0,21 mg.
Os suplementos de melatonina deverão conter advertência de que o produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante. Pessoas com enfermidades ou que usem medicamentos deverão consultar seu médico antes de consumir a substância.
Devido a recente liberação da melatonina no mercado não existem estatísticas oficiais do consumo deste suplemento no Brasil.
Pitaco 1 Conceição Trucom:
Decidimos compartilhar estes estudos e reflexões de diferentes profissionais da saúde, justamente porque ao digitar MELATONINA no Santo Google fiquei ABSOLUTAMENTE assustada com a quantidade de produtos, dosagens, formas (comprimidos, gotas, suplementos...), produtores (nacionais e importados de várias partes do mundo)... ofertados livremente pela internet.
E, antes de irmos aos estudos da dra. Marybeth Gallagher e all., desejo colocar a reflexão da
dra. Gabriela Chaves*, nutricionista clínica, funcional e integrativa:
A cronobiologia é uma ciência que estuda a organização temporal da vida, um estudo sistemático da biodiversidade do planeta associada ao tempo. Esta ciência utiliza estuda os ritmos biológicos e tem como objetivo estudar fenômenos fisiológicos que se reproduzem periodicamente no organismo. Uma anormalidade do relógio biológico ocasiona alterações orgânicas.
O sistema de temporização controla a fisiologia e o comportamento orgânico, um sistema sincronizado com o ambiente. O sistema consiste em um relógio biológico, que são estruturas presentes na célula, criado através da engenharia gênica.
O organismo precisa ler o tempo através de estímulos ambientais enviados pelos nossos órgãos sensoriais. O sistema de temporização que lê claro e escuro é dividido em dois, um relógio central (o hipotálamo no núcleo supraquiasmático) e um relógio biológico (periférico).
flutuações de luz e escuridão, atividade física e disponibilidade de alimentos, afeta o relógio biológico. O relógio central detecta uma oscilação de luz (QSN) núcleo supraquiasmático que envia um estímulo à glândula pineal para produzir ou inibir o hormônio melatonina.
O hormônio melatonina é produzido apenas em um ambiente noturno escuro. A melatonina é um codificador de tempo para relógios biológicos periféricos, pois esses relógios presentes no TGI (trato gastrointestinal), pâncreas, fígado, músculo, tecido adiposo etc. não possuem o sistema retiniano, não podem ser ativados pela luz do fóton solar, portanto, a melatonina secretada pela glândula pineal será a responsável por esse processo de sincronização e ajuste ambiental. A ausência de melatonina no sangue envia a todos os órgãos a informação de que chegou o dia, alterando o comportamento orgânico.
A melatonina é o principal hormônio de sincronização do nosso relógio interno com o ciclo claro-escuro e as estações do ano, ela também organiza vários processos fisiológicos, sistema reprodutor, hormônios sexuais e metabolismo energético.
Nosso organismo funciona em estado de vigília na presença de luz e na ausência de melatonina, desta forma executará funções diferentes como, aumento de armazenamento de gordura pelo tecido adiposo, tecido muscular aumenta a absorção de ácidos graxos, o hepático aumenta da síntese de glicogênio e tecido pancreático aumenta a secreção de insulina.
Quando a melatonina é liberada na corrente sanguínea no escuro, haverá uma mudança no caminho e no ciclo da matéria orgânica. Não podemos limpar nossos intestinos enquanto almoçamos. Não podemos limpar o fígado enquanto metabolizamos os alimentos. À noite, um estado de repouso é alcançado, o tecido adiposo aumenta a lipólise, o músculo aumenta o metabolismo oxidativo, a glicogenólise hepática aumenta e o pâncreas produz glucagon.
A cronoruptura, ou seja, a ruptura do sistema de tempo entre o relógio central e o relógio biológico, levará a uma perda da percepção entre variações de claro e escuro, a poluição luminosa, contato com luz artificial à noite, prolonga sua exposição e interrompe o ciclo circadiano, dando origem as alterações glicemia, energia, triglice´rios, músculos, fígado, metabolismo adiposo, dislipidemia, resistência central e periférica à insulina, dando origem à síndrome metabólica.
Se você começar a comer à noite, sem o cronômetro da melatonina e na presença de comida, as células consideram que é dia e não mudam o plano de vôo. O sistema nervoso central, o fígado e os intestinos não liberam as toxinas acumuladas durante o dia.
Na forma de suplemento sintético, a melatonina não pode gerar codificação periférica, ela pode até ter afinidade por receptores celulares, mas não controlará a função do órgão com tanta maestria quanto nossa melatonina endógena. Pode gerar bem-estar momentâneo, mas não conseguirá manter a organização temporal circadiana.
O ideal seria corrigir a disbiose que pode gerar estresse oxidativo, diminuir o estresse ambiental, desintoxicar as vias hepáticas, diminuir a ansiedade para que nosso órgão binário produzisse corretamente o hormônio essencial para nossa existência.
Precisamos recuperar a nossa cronobiótica indo para a cama cedo,
evitando estímulos óticos como telas (TV, celular e abajur)
e evitando comer depois das 20h.
Vamos ao estudo do Jornal (JAMA)
De acordo com o estudo acima citado, desde 2006 nos EUA, um pequeno, mas crescente grupo de adultos está tomando quantidades de melatonina que excedem em muito a dosagem de 5 miligramas por dia que normalmente é usada como tratamento de curto prazo.
Embora o uso geral de melatonina ainda seja relativamente baixo, o estudo “documenta um aumento significativo no uso de melatonina nos últimos anos”, de acordo com a especialista em sono. Rebecca Robbins, Ph. D., que é instrutora da divisão de medicina do sono da Harvard Medical School e não participou deste estudo.
A Dra. Robbins disse: “Tomar soníferos tem sido associado em estudos prospectivos com o desenvolvimento de demência e mortalidade precoce. A melatonina é um desses auxílios para dormir”.
Funções reguladoras vitais e ritmos
O relógio biológico regula as flutuações hormonais, que evoluem ao longo da vida de uma pessoa. Como resultado, o envelhecimento geralmente afeta atividades como os padrões de sono e vigília, que, em alguns casos, tornam-se cada vez mais interrompidos e fragmentados.
A melatonina é um hormônio chave que governa os ritmos circadianos. Estes ritmos desempenham um papel influente em certos aspectos de nossas funções e comportamentos físicos. Eles também desempenham um papel significativo na regulação do sono e na boa saúde geral dos seres humanos, e sua interrupção pode ter inúmeras consequências.
As consequências negativas da privação do sono podem incluir diminuição do vigor, mau humor e sensação de estresse, frio ou sonolência. Esses efeitos podem ocorrer em pessoas de qualquer idade.
O Dr. Richard Castriotta, especialista em medicina do sono da Keck Medicine da USC em Los Angeles, que não participou do estudo, disse: “O uso crescente de melatonina, como qualquer medicamento não aprovado pela FDA e vendido como um “suplemento nutricional” aumenta o risco de efeitos colaterais indesejáveis”
A melatonina é eficaz?
De acordo com o Dr. Castriotta, “baixa dose (1–3 mg) de melatonina é segura e eficaz em certas circunstâncias para o controle de distúrbios do ritmo circadiano, mas não é um hipnótico muito bom”.
Uma droga hipnótica é aquela que induz o sono. De acordo com uma análise publicada em fevereiro de 2020, “há uma melhora estatisticamente significativa na latência do sono (período de adormecer) e no tempo total de sono, mas existe falta de consenso sobre a significância clínica”.
Em relação com o jet lag, no entanto, os benefícios da melatonina parecem mais pronunciados, segundo conclusão da Revisão Cochrane:
“A melatonina é notavelmente eficaz na prevenção ou redução do jet lag, e o uso ocasional de curto prazo parece ser seguro. Deve ser recomendado para viajantes adultos que voam em cinco ou mais fusos horários, particularmente na direção leste, e especialmente se eles experimentaram jet lag em viagens anteriores.”
Além disso, o Dr. Castriotta explica que “em doses mais altas (6–12 mg), a melatonina pode ser útil em transtorno de comportamento REM e pode desempenhar um papel na prevenção/tratamento do câncer”.
Efeitos indesejáveis
Vários efeitos colaterais desagradáveis podem ocorrer com o uso regular de melatonina, incluindo:
- Tontura
- Dores de estômago
- Dores de cabeça
- Náusea
- Confusão ou desorientação
- Depressão
- Irritabilidade
- Ansiedade
- Pressão sanguínea baixa
- Tremores
Um estudo mais antigo que também apareceu em PESSOAS sugere uma ligação entre mutações nos locais do receptor de melatonina, resistência à insulina e desenvolvimento de diabetes tipo 2.
O estudo descobriu que níveis baixos de melatonina observados em alguns participantes do estudo podem ter sido um precursores de diabetes tipo 2. No entanto, não foi possível estabelecer causalidade direta.
O Dr. Christopher Schmickl, Ph.D., especialista em medicina do sono na UC San Diego Health, na Califórnia, e professor assistente de medicina na Escola de Medicina da UC San Diego disse:
“A automedicação para tratar o ‘sono ruim’ pode atrasar ou impedir a avaliação profissional e, portanto, o tratamento adequado e a comprovação da causa subjacente. Por exemplo, a apneia obstrutiva do sono pode causar sintomas semelhantes aos da insônia e, se não for tratada, pode levar a sérios problemas de saúde prolongados. Mesmo para insônia real, a terapia de primeira linha é em geral (não farmacológica). A terapia cognitivo-comportamental para insônia (CBT-I) é igualmente tão eficaz em curto prazo e mais eficaz em longo prazo”.
Padrões e medidas não confiáveis
Atualmente, nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) não regulamenta a fabricação de suplementos de melatonina. Existe a preocupação de que as quantidades de melatonina em preparações de venda livre possam exceder o que o rótulo exibe em até 478%
A esse respeito o professor Prof. Schmickl diz: “Isso levanta preocupações sobre 'overdoses' - ou seja, inundar o corpo com níveis que interferem em muitas funções biológicas importantes da melatonina - e torna difícil avaliar o efeito da melatonina no sono em um determinado paciente, uma vez que a dose real pode variar substancialmente de comprimido para comprimido ou pelo menos de frasco para frasco”.
“Os produtos de melatonina de venda livre também podem conter níveis variados de outras substâncias como a serotonina (um precursor da melatonina, que, em excesso, pode causar até mesmo efeitos colaterais com risco de vida), o que pode contribuir ainda mais para efeitos colaterais variados”.
Ele continua, “baseado em minha prática clínica, muitos pacientes consideram a melatonina 'natural' por ser um suplemento e, portanto, não se preocupam muito em tomar doses muito altas (> 5 mg), que são preocupantes do ponto de vista médico. Da mesma forma, muitas pessoas dão melatonina a seus filhos sem se preocupar muito com o limite, sem considerar que as crianças podem ser ainda mais vulneráveis a consequências adversas”.
“É importante notar que os agonistas (que aumentam a atividade de outro) dos receptores de melatonina, por exemplo, ramelteon, foram desenvolvidos e requerem de uma prescrição, o que, em teoria, poderia superar alguns desses problemas. No entanto, esses medicamentos patenteados são muito caros, o que significa que poucos seguros cobrem esses medicamentos. Assim, na prática clínica, esses medicamentos raramente são usados.”
Outros aspectos
Evidências mostram que a melatonina tem propriedades antiinflamatórias e antioxidantes benéficas e pode ter outro potencial terapêutico. Atualmente há pesquisas em andamento por seu valor no tratamento de condições médicas não relacionadas ao sono.
Também é importante notar que houve várias limitações no estudo citado, como:
- Autorrelato de uso
- Heterogeneidade de preparações
- O pequeno número de usuários de melatonina em alguns subgrupos
- Não há estimativas confiáveis de tendências em diversos grupos étnicos e raciais
- Dados escassos sobre o uso prolongado e de alta dosagem de melatonina
Resumindo
Até agora, parece que o uso de melatonina em curto prazo é seguro para pessoas que trabalham em turnos variáveis, experimentam jet lag ou acham difícil adormecer. No entanto, de acordo com o Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa (NCCIH), os efeitos em longo prazo são desconhecidos.
Devido ao aumento do uso de melatonina pela população dos EUA - e aparentemente da população brasileira - e as implicações resultantes para a saúde pública, são necessários mais estudos para aconselhar os consumidores sobre os riscos potenciais à saúde e os possíveis benefícios do uso contínuo de melatonina.
O Dr. Schmickl propõe a mudança de status da melatonina de venda livre passando a se exigir a prescrição, o que seria uma abordagem positiva. Além disso, ele sugere que regular a melatonina e divulgar seu conteúdo com precisão, incluindo a ausência de impurezas.
Pitaco Conceição Trucom:
Por ser uma cientista acabo por conhecer este universo, seus bastidores, resumos e conclusões... que tentam passar um vigor informativo mas em geral morrem na praia com suas conclusões. Sabe por que? Para evitar complicações com todos os segmentos envolvidos (do financiador ao produtor e consumidor), para evitar complicações jurídicas, para conseguir ser publicado e assim vamos. Portanto, ao lermos um estudo científico precisamos ter filtros de conhecimentos multidisciplinares, filtros quanto aos órgãos financiadores, filtros de pesquisas paralelas, entrevistas com pessoas que conhecemos seu cabedal e que possam nos mostrar luzinhas verdes, amarelas e vermelhas acesas ou apagadas... UFA!
Na verdade o que desejo informar é que não basta ser um estudo científico, precisamos de maito-muito mais para fazermos nossas escolhas, tomarmos nossas decisões. O meu primeiro e importantíssimo alerta encontra-se no meu Pitaco 1.
E a minha DICA é: leia com atenção o texto da
(*) dra. Gabriela Chaves - @nutrigabrielachaves.
Fonte: Medical News Today
Tradução especial para Doce Limão: Professional Translations
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